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9 anos agoon
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análise realista do doutor Paulo Salem, elenca 5 casos de áreas de pesquisa que poderiam ser úteis na vida de muitas pessoas mas que estão perdidas em um “buraco negro” das grandes ideias.
Não é novidade para ninguém que muitas boas ideias nunca são postas em prática. O que talvez surpreenda alguns é que mesmo boas ideias que foram trabalhadas por anos, financiadas por grandes agências de pesquisa, e fruto de inúmeras teses e dissertações também tenham destinos semelhantes. Na Ciência da Computação não faltam exemplos.
O doutor em Ciência da Computação Paulo Salem, escolheu cinco casos que são particularmente interessantes nesta época de poderosos dispositivos móveis (e.g., celulares e tablets). Nunca a computação foi mais pessoal, mais móvel, nunca esteve mais próxima do nosso dia-a-dia. E no entanto, muitas ideias que poderiam tornar tudo isso melhor ainda não chegaram a “app” nenhum para iPhone ou Android. Vejam abaixo cinco dessas pesquisas acadêmicas que dariam as bases para produtos interessantes.
1. Programas (ou agentes) móveis. Na década de 1990 falou-se muito de como programas poderiam migrar de um computador para outro sozinhos, tal como se fossem hóspedes de passagem em cada máquina (daí serem chamados de “agentes móveis” por alguns pesquisadores). Naquela época, como todos os computadores domésticos eram essencialmente desktops, produtos para o consumidor baseados nisso seriam de utilidade bastante limitada (afinal, quem tinha mais de um computador?) — exceto, claro, os detestados vírus, “produto” de sucesso entre os criminosos. Mas hoje estamos constantemente trocando de dispositivos ao longo de um mesmo dia: do desktop para o celular, deste para o tablet, e quem sabe mais o que está por vir. Tomemos o caso de uso um arquiteto projetando uma casa para ver o potencial da ideia. Talvez ele comece pela manhã num tablet, desenhando algumas novas linhas do imóvel. No meio do dia, ele saca s eu celular para acertar alguns detalhes — não todos, porque o celular é muito pequeno para fazer grandes mudanças, mas é muito útil para refletir sobre o que já foi feito. Finalmente, à noite, o programa migra para o desktop do profissional, muito mais poderoso, e que então renderiza uma versão 3D detalhada do projeto, processo conhecido por ser pesado. Mais: se o celular e o tablet também estiverem por perto, podem ajudar a acelerar a renderização mais ainda, tudo de forma automática, sem dar dor de cabeça para o usuário. E não há perigo de haver conflito de versões entre os vários computadores, afinal é o mesmo programa que está pulando de um para o outro!
2. Escolhas automatizadas. Ter escolhas é ótimo. Numa sociedade vibrante, há algo para quase todos os gostos. Mas como alguns pesquisadores já notaram, escolhas demais acabam nos sobrecarregando. Como escolher o melhor modelo de televisor e geladeira quando há dezenas de modelos de cada, por exemplo? São tantos detalhes! Cada pessoa tem suas preferências e a melhor escolha de um pode não ser tão boa para outra. Hoje em dia, existem técnicas para capturar as preferências do consumidor, fornecer isso a um software e permiti-lo tomar a decisão no lugar de seu usuário. Há uma série de detalhes delicados numa tal abordagem e não é evidente como fazer isso automaticamente. De fato, esse foi o tema da recente tese de doutorado de uma colega brasileira minha, Dra. Ingrid Nunes (“User-centric Preference-based Decision Making” – http://www.inf.ufrgs.br/~ingridnunes/ ). Já incentivei a Ingrid a empurrar a pesquisa dela para alguma startup, mas até agora não vi produtos baseados nessa interessantíssima e aplicável pesquisa.
3. Programação lógica e sistemas especialistas. Nos anos 1980 houve grande interesse em algumas técnicas de programação que podemos classificar, grosso modo, como baseadas em lógica. Para entender o que é isso, vejamos um exemplo. Num programa tradicional, o computador “executa ordens”: ao clicar no botão X, vá para a página Y. Num programa baseado em lógica, por outro lado, o computador “deduz fatos”: se X é sintoma de gripe, e Y tem o sintoma X, então Y talvez tenha gripe. A partir desse exemplo é fácil ver as imensas aplicações dessas tecnologias. Imagine um médico ou advogado no seu bolso, o tempo todo. Claro, talvez não tenham (ainda) poder suficiente para substituir os profissionais humanos, mas e numa emergência, não seria útil? Num acampamento distante, num país muito diferente, numa zona de guerra, numa trilha, etc. A ideia não decolou nos anos 1980, mas já está mais do que na hora de tentá-l a novamente, agora que nossos computadores são imensamente mais poderosos e portáteis.
4. Conhece-te a ti mesmo. Uma das vantagens que os smartphones modernos trazem é permitir a cada um ter, a todo o tempo, um computador consigo, cheio de sensores e com acesso aos seus e-mails e calendário. Espécie de meio-secretário, meio-antropólogo, que nunca dorme e está sempre disponível. Do lado do software, na área de Métodos Formais (entre outras) temos desenvolvido diversos modos de extrair e examinar dados na forma de “linhas do tempo”, usando sofisticados modelos lógicos e matemáticos. Não seria muito difícil fazer um aplicativo que descobriria sozinho, digamos, que toda vez que você encontra aquela sua ex-namorada, você fica um tanto deprimido por 3,5 dias (em média). E que, estando deprimido por tantos dias, você tende a se exercitar menos, e portanto deve ter cuidado com o que come (o aplicativo sabe que um de seus objetivos na vida é manter uma boa forma)! Esses detalhes se acumulam posto que somos seres complexos e cheios de manias, caso ideal para um sistema computacional vir em nosso auxílio. Teoricamente, nunca foi mais fácil seguir a máxima grega, pilar da civilização ocidental. Falta apenas alguém ensinar esse clássico aos nossos celulares.
5. Redes sem fio improvisadas. Para não fecharmos num tom negativo, quero falar de uma dessas tecnologias das sombras acadêmicas que recentemente ganhou um lar num produto de massa (o iOS 7 da Apple, sistema que roda nos últimos iPhones e iPads): as redes sem fio “improvisadas” (wireless mesh network). A ideia é a seguinte. Suponha que você more no primeiro andar de um prédio alto e seja o único com um celular conectado na Internet. Com essa tecnologia, você e seus vizinhos podem improvisar uma rede: o do segundo andar se conecta (sem fio) no seu celular para acessar a Internet, o do terceiro conecta-se no do segundo, o do quarto no do terceiro, e assim por diante, até o último andar. Ou ainda: suponha que você precise baixar um arquivo enorme pelo celular mas seu plano de dados seja muito limitado. Sem problemas! Você se conecta às pessoas ao seu redor, que talvez não precisem baixar muita cois a, e usa as velocidades ociosas delas (e de outros ainda que estejam próximos dessas mas não de você) combinadas — talvez prometendo devolver o favor no futuro. E não vamos nem falar de países menos civilizados, em que nunca se sabe quando uma bomba vai explodir o seu roteador… As possibilidades são muitas, mas convém mencionar que de fato já existe um exemplo concreto de uso desse tipo de tecnologia, que ficou famoso recentemente: o aplicativo FireChat (https://itunes.apple.com/en/app/firechat/id719829352?mt=8) .
Por Paulo Salem, é formado pela Universidade de São Paulo em Ciência da Computação e é doutor na mesma área pela Universidade de São Paulo e pela Université Paris-Sud (França). Além de tecnologia, tem grande interesse nas ciências em geral, negócios, filosofia e arte. Busca empregar esses diversos aspectos de modo coeso na criação de idéias, tecnologias e produtos que promovam o progresso. Atualmente dedica-se principalmente ao Liberalis, um sistema para profissionais liberais e autônomos divulgarem-se na Web.