
7 de abril, 114
A rua ainda está lá, mas ele não. A loja ainda está, mas com as portas de ferro cerradas, já que ele não está.
As pessoas ainda correm, a pressa é a de sempre, só ele não. Estão lá a mesma poeira, os muros pichados, os prédios que nunca foram apresentados a um arquiteto, o calçamento esburacado ainda está. Mas eu ando, tropeço e não o encontro, o que é muito estranho, que isso era tão ele.
O cafezinho do balcão apertado dentro da galeria ainda está, mas esse gosto requentado só me lembra que ele não.
O relógio ainda está lá, quer dizer, só os ponteiros parados, as horas não estão. O luminoso que não acende mais ainda está, sem saber por quê – feito eu, que até hoje não entendi como pode ele não estar.
Onde estava a loja de casemira inglesa está uma biboca vendendo chinesices. O banco ainda está, com a mesma imponência de mármore meio sem sentido, já que o banco foi vendido, tem até outro nome. A banca de jornal que não vende jornal algum. O corcunda que passa inacreditavelmente despercebido. O cachorro sem dono. A poça ainda está lá.
Como um telefonema de Portugal que eu recebo na alma, uma voz me pergunta: “Está lá?” E eu respondo para mim mesmo que não, não está. Está o silêncio. E tanto barulho em volta.
Ainda está o pedinte de mãos estendidas e calça suspensa mostrando as chagas nas pernas. O profeta do fim do mundo. O homem-sanduíche com seu corpo-mídia está, ou é só o fantasma de um homem que não está mais?
Um sorriso antipático passa. Até quem não devia estar está. O poste de ferro ainda está. Estranho que o orelhão não.
As pombas, o bueiro pesado, o vendedor da federal, o escarro no chão, a chuva de papel na virada do ano, o cheiro de garapa fermentada pelo sol, até a cabine das fotos 3×4 está. E até há tão pouco ele estava.
Como pode tudo ainda estar lá e ele não? Tudo fingir que continua igual, se não é? E você, Deus, está lá?
__________________________________________________________________________________________________________
Cássio Zanatta é natural de São José do Rio Pardo, o que explica muita coisa. Escreve crônicas há um bom tempo – convenhamos, já estava na hora de aprender. © 2014.