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A casa do meu vô

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MONO

A casa do meu vô

A casa do meu vô nunca foi chamada assim. Sempre foi a casa da vó, como normalmente são as casas, lembradas mais pela sua metade feminina.

Mas no fundo, era uma casa bem dele na cabeça de alguém que viveu por ali até os 16 anos.

Eram dele os discos de chorinho que alegravam a entrada, que a gente ouvia em silêncio, por perto, sem incomodar. Eram dele as mãos que batucavam na cadeira de balanço. Sim, ele era desses avôs que tinham cadeira de balanço, mas era só o que ele tinha dos avôs tradicionais. Era dele o relógio de corda, o jornal sobre a mesa, o lugar cativo em frente à televisão e na cabeceira da mesa.

Desde que eu nasci ele já tinha o mesmo ar. As pessoas mudam pouco depois dos 80. Era dele o jeito de andar cambaleante. Sempre me pareceu firme. Só um pouco mais velho eu comecei a me preocupar que ele pudesse cair. Na verdade era eu que tinha mudado e não a forma como ele andava. Pessoas de 90 anos mudam pouco, afinal. E era dele, especialmente, essa característica.

Era dele a pequena marcenaria, nos fundos, onde os netos iam se divertir serrando, pregando e construindo coisas, sob o sério risco de perder membros, dentes, olhos e muitas horas.

Era dele a biblioteca onde surgiam livros, revistas, papéis, anotações e as primeiras playboys que sugavam nossos olhos.

Ainda não sei se ele não sabia, não ligava ou se deixava tudo lá de propósito pra que a gente, sem querer, as descobrisse.

Era dele o costume de guardar o “Estadinho”, parte infantil do jornal, que chegava todo sábado e me esperava, fosse o tempo que fosse, para que eu o encontrasse na próxima visita.

Era dele a voz firme que brigava com a gente quando a bola quebrava uma lâmpada. Era dele o primeiro violão que eu vi de perto. Eram dele as histórias repetidas, que sempre pareciam novas, da faculdade, dos amigos, da minha avó, do consultório na frente da casa. Era dele a mania de ler os obituários do jornal pra saber se os amigos tinham virado notícia. E ele foi o que demorou mais para estampar essa manchete.

Hoje, fica só a lembrança de tudo isso. E a saudade que, no fundo, também é dele.

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Diogo Mono. Redator publicitário, tenta ser escritor, será pai de família e continua sendo um observador das coisas do cotidiano.
© 2014

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