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A decisão de Osório

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CarlosCastelo

A decisão de Osório

Quando Rachel e Gustavo chegaram da faculdade, a mãe pediu que fossem para a sala de estar.  Ali já estava Osório, o pai. Ela então, meio ansiosa, declarou:

“Papai tomou uma decisão importante e quer dividir com vocês.”

Rachel olhou para o irmão entre surpresa e atônita.

Osório deu uma tossidinha, acertou o tom de voz e disse:

“Vou ser cabeleireiro.”

Os filhos tinham imaginado uma série de possibilidades. Osório dizendo que teriam de vender a casa, a mobília e o cachorro para pagar uma dívida de jogo – apesar de que não jogava nem paciência.

Ou que estava com uma doença tão rara que a NASA solicitara a evacuação do domicílio em 24 horas.

Mas ele trabalhando “naquela” profissão era impensável.

“Como assim cabeleireiro? O senhor é contador, pai. Aliás é contador muito antes da gente ter nascido!” – disse Gustavo, com voz alterada.

Rachel baixou o rosto e ficou mirando os joelhos sem nada dizer, como sempre fazia diante de situações embaraçosas.

Baixou um silêncio com volume e peso na sala. Osório quebrou-o dizendo:

“É verdade, filho. Mas ninguém é obrigado a ficar na mesma profissão a vida inteira. Trabalhei 45 anos em Contabilidade. Tenho o direito, ainda mais agora que fechei o escritório, de fazer uma coisa que sempre sonhei na vida.”

Noca, a mãe, resolveu colocar o seu ponto de vista.

“Saibam que eu apoiei o pai de vocês nesta decisão, viu?“

Rachel subitamente levantou o rosto na direção dos dois, Gustavo aprumou-se na cadeira.

“Que mal há nele querer mudar de atividade?” – defendeu Noca.

“Mamãe, o pai vai fazer 68 anos daqui a três meses” – pontuou a filha. “E ele quer ser ca-be-lei-rei-ro. Alô!!”

Gustavo continuou:

“É,  meu, nada a ver! Não consigo ver o velho cortando os cachos de marmanjos numa barbearia.”

Osório interrompeu o filho:

“Vou ser cabeleireiro de mulher, Gustavo. Sou aposentado, usei meu tempo para fazer um curso de coiffeur feminino e aprendi tudo: inclusive a aplicar balayage.”

Noca  pegou um álbum de fotos no armário e mostrou aos filhos:

“São os cortes que o seu pai criou no curso. Ele passou em primeiro lugar e já tem três propostas de trabalho. Uma delas é no salão mais chique da cidade: o Glamourezza.”

Rachel começou a chorar baixinho. Gustavo seguiu argumentando:

“O que tem a ver cortar cabelo de madame com o que o senhor fez a vida inteira? Imposto de renda, balancete? Se ainda fosse maquiador…”

Osório irritou-se:

“Olha o respeito com seu pai, Gustavo Henrique! Nunca maquiei número de empresa nenhuma!”

Gustavo explicou-se:

“Sei lá, cara, só esperava que o senhor escolhesse uma coisa diferente pra fazer na aposentadoria, saca? Um lance que os pais dos meus amigos fariam. Tipo abrir um café..”.

Rachel emendou, enxugando as lágrimas:

“…ter uma livraria, uma franquia de lavagem de roupa a seco.”

A conversa parecia estar chegando ao fim.

“Era isso o que vocês tinham pra dizer ?” – cortou secamente Gustavo. “A gente tem um compromisso aí…”

Noca e Osório confirmaram que sim com um gesto melancólico de cabeça.

Os filhos então saíram da sala sem se despedir, pegaram suas coisas e foram à uma manifestação na avenida Paulista contra o preconceito.

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Carlos Castelo. Escritor, letrista, redator de propaganda e um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. © 2014.

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