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A dona do triplex

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MONO

A moça chegou, meio perdida, sem saber o que tava acontecendo quando viu o rapaz barbudo.

  • Que merda é essa, que que tá acontecendo?
  • Minha senhora, a senhora morreu. Agora modere esse linguajar.
  • Morreu? Como assim? E quem você pensa que é pra me dar ordem?

Olhou pro barbudo com aquelas roupas largadas.

  • Que que tá acontecendo aqui? Chama o gerente que eu não vou ficar discutindo com ralé.
  • Minha senhora, eu sou o gerente. Acontece que você morreu.
  • Eu morri? Mas como?
  • A senhora foi comer um crepe no shopping, arrumou uma briga…
  • Aquela pobre me matou? Mas pobre é uma merda mesmo.
  • Não, senhora. A senhora ficou nervosa, engasgou com o crepe e morreu.
  • Nossa, mas que morte idiota. Vocês não tinham nada melhor pra fazer não, do que inventar uma história babaca dessa? Se ela tivesse me matado eu tava passando no jornal em horário nobre, mas agora, morrer engasgada com um crepe do lado da pobre? Eu merecia algo mais, né, barbudinho?
  • Talvez merecesse…
  • E agora, meu triplex, minhas jóias, meus carros? Não serve pra nada? 40 anos de aeroporto internacional do Rio de Janeiro, e vou ficar aqui, vagando pra sempre?
  • Infelizmente não. A senhora não pode entrar.
  • Mas por que não? Se eu quero entrar eu vou entrar, cadê o gerente?
  • Não vai entrar não, você ficou xingando a moça de pobre. Isso é pecado.
  • Xingando não. Isso é um preconceito seu. Ela era pobre mesmo. Eu não falei nenhuma mentira.
  • ….
  • Se ela fosse loira e eu falasse que ela era loira era preconceito? Não. Agora, ela é pobre, eu falo que ela é pobre e fica todo mundo melindrado?
  • Mas acontece…
  • Acontece nada, abaixa a bola aí, porteiro, que o senhor não vai me dar ordem não, que eu não recebo ordem de assalariado. Eu sou classe dominante e fico revoltada.
  • Minha senhor..
  • Minha senhora nada, me chama de doutora que eu sou psicóloga.
  • A situação aqu…
  • Abre logo essa porta que eu vou falar com o respons…
  • Cala a boca, sua gorda.
  • O que?
  • Você não vai ficar aqui, gorda. Você morou muito tempo no triplex, já tá na hora de descobrir como é a vida no andar de baixo.
  • Você não pode me chamar de gorda, rapaz. Me respeita.
  • Ué? Mas você é gorda. Se você fosse loira e eu te chamasse de loira, ninguém ia ligar. Agora, você é gorda, eu falo que você é gorda e fica toda melindrada.
  • Ei, vai tomar no…

E a moça sumiu, antes de terminar a frase.

O anjo que assistia tudo lá de trás do portão chegou perto do barbudo.

  • O senhor não acha que exagerou um pouco?
  • É, talvez. Mas, às vezes, ninguém é perfeito. Nem eu.

 

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Diogo Mono. Redator publicitário, tenta ser escritor, será pai de família e continua sendo um observador das coisas do cotidiano.
© 2014

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