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A escassez de mulheres e ideias nos conflitos na Síria

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Fora do Palácio das Nações, da sede da ONU em Genebra, onde a guerra síria estava sendo debatida, os manifestantes seguravam cartazes que diziam “seu silêncio está matando crianças”.

A guerra que já dura três anos é considerada um “desastre abrangente”, nas palavras do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. As conversas em Genebra são o início de um longo processo, os diplomatas insistiram, citando os exemplos das negociações de paz entre a Bósnia e a Irlanda do Norte.

O processo teve início na cidade à beira do lago de Montreux, que tem mais a ver com os entusiastas do jazz do que com mediadores que tentam parar uma guerra. Isso porque a cidade de Genebra hospedava uma convenção de relógios de pulso e todos os quartos do hotel estavam ocupados.

Os ministros do governo chegaram com equipes de assessores de ternos escuros, consultores chamativos e peritos em mídia.

No caminho até a conferência, os representantes do governo sírio ficaram presos em Atenas para o reabastecimento da aeronave que os transportavam. Alguns membros da oposição não compareceram e outros chegaram atrasados, causando pânico aos diplomatas das Nações Unidas.

Montreux foi mal preparada para a onda de diplomatas. Houve escassez dos quartos do hotel. A rede Wi-Fi estava sobrecarregada e caiu. Até os telefones celulares muitas vezes não funcionaram.

Os representantes mais sortudos foram alojados sob um forte esquema de segurança, no luxuoso Hotel Fairmont com vista para o lago. Já os que não contavam com tanta sorte, pois haviam chegado atrasados, incluindo a oposição síria, foram transportados para a cidade vizinha de Lausanne, e hospedados em um hotel onde eles tinham que fazer seu próprio café.

Houve muita troca de informações nos corredores, nos jardins perto do hotel Fairmount e fora dele, onde os ministros das Relações Exteriores realizaram reuniões privadas com os representantes.

O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, fez um apelo e declarou que “o direito de liderar um país não vem por meio da tortura, das bombas e mísseis” – e pediu a remoção do presidente sírio, Bashar Al–Assad.

O ministro William Hague, da Grã-Bretanha, cujo governo já deu 330 mil dólares para incentivar mais mulheres a serem intermediadoras nas negociações e que está lançando uma iniciativa para prevenir a violência contra as mulheres em tempos de guerra – fez um esforço especial para atender em particular as mulheres sírias ativistas e convidou-as para novas negociações, em Londres.

A falta de mulheres foi um dos principais pontos de discussão nos bastidores. A oposição síria tinha apenas duas mulheres de um total de 15 negociadores – Rima Flihan e Suhair Atassi.

Bouthaina Shaaban – veterana política e assessora de imprensa – é a mulher mais visível a negociar em nome do governo sírio. Sua mensagem ao longo das negociações foi que Kerry não tinha o direito de dizer ao povo sírio quem pode ou não ser o seu líder e que a verdadeira questão não era Assad, mas os combatentes terroristas.

Mas Hague estava interessado em alcançar as mulheres que são do povo. Ele explicou que as mulheres carregam o fardo de manter as famílias juntas durante o conflito e que é preciso haver um “papel mais formal durante as negociações para as mulheres que não estão alinhadas com qualquer uma das partes no conflito, mas que representam a sociedade síria como um todo”

“Algumas vezes você se encontra com mulheres corajosas que estão trabalhando a nível local para unir as comunidades dilaceradas pela guerra, mas que são invisíveis quando se trata de tomar decisões políticas sobre o futuro da sociedade”, conclui o ministro.

As conversas em Montreux terminaram com uma nota baixa. Mas a conversa não havia terminado.

Após o café da manhã na quinta-feira, 23 de janeiro – um dia livre para os negociadores – podia-se ouvir os helicópteros transportando Ban e Kerry através das montanhas cobertas de neve para um exercício mental completamente diferente.

Os helicópteros desembarcaram em Davos, para o Fórum Econômico Mundial, que ocorreu ao mesmo tempo que as negociações da Síria, colocando muitos dos estadistas mais ambiciosos em um dilema sobre como estar em dois lugares ao mesmo tempo.

Dentre os indivíduos famosos que desembarcaram na remota vila suíça, estavam o presidente iraniano Hassan Rouhani, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, o ex- secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, o fundador da Microsoft, Bill Gates, e o cantor Bono Vox.

Mas, enquanto as conversas em Davos prosseguiam, os sírios – governo e oposição –e o enviado especial da ONU, Lakhdar Brahimi, um mediador argelino veterano, deslocaram-se para Genebra a fim de continuar as negociações sírias. Brahimi lutou até mesmo para conseguir que ambos os governos sentassem juntos e respondessem às perguntas difíceis sobre a libertação de prisioneiros e ajuda humanitária.

Homs, uma cidade esqueleto e assolada pela fome rapidamente tornou-se o ponto central da questão humanitária. Alguns diplomatas disseram que isso é porque ela é “mais fácil de manusear” do que a cidade de Aleppo, que é em grande parte controlada por islamistas.

Foi um pequeno começo. “Todo mundo veio aqui esperando muito pouco”, disse um diplomata ocidental. “Mas eu tenho que dizer: este é um trabalho mais difícil do que eu imaginava”, declara.

Enquanto a agenda política continua a ser o foco essencial das conversas, o progresso em direção a um acordo está diretamente ligado à crise humanitária. Civis morrem de fome porque as rotas humanitárias trazendo comida e suprimentos são regularmente bloqueadas por ordens do governo, além da paralisação das escolas por completo.

“As pessoas estão morrendo de fome”, disse Rafif Jouejati, um delegado que também dirige uma organização não governamental. “É uma tragédia termos que negociar até sobre a ajuda humanitária dentro da Síria“, diz.

O número de vítimas na população civil da Síria é imenso. Em todo o país, as pessoas passam por extrema necessidade. Mesmo quando as negociações estavam em curso em Montreux e Genebra, as pessoas em Yarmouk, um bairro sitiado em Damasco, teve dificuldades para encontrar produtos simples, como pão e óleo. Os ativistas locais relatam que cerca de 50 pessoas morreram de fome nas últimas semanas.

Enquanto as negociações continuaram, os ativistas dentro da Síria informaram que as áreas como Douma, Zabadani e Daraya estavam sendo bombardeadas. As metas não são apenas os combatentes militares, mas os civis que se alinham em padarias, nas unidades de saúde e em escolas.

Não existem lacunas somente entre o governo sírio e a oposição síria, mas também entre os membros da própria oposição. A oposição é muito fragmentada e os membros de vários grupos não comparecem em Montreux ou, os que foram, chegaram atrasados.

Para muitos em Montreux, a visão mais deprimente foi as cadeiras vazias reservadas para figuras-chave no conflito que não estavam presentes – ao invés daqueles que compareceram.

Assad também não foi à Montreux, bem como os representantes de alto nível de suas forças armadas, a Defesa Nacional, e, claro, os representantes do Irã, que foram desconvidados pela ONU.

A discussão de formar um governo de transição, a base do primeiro conjunto de negociações de paz, chamada Genebra I, foi ofuscada pela realidade que a Síria está sendo desmembrada, perdendo 130 mil pessoas até o momento.

Ghanem, acredita que uma questão importante que deveria ter sido abordada foi o levantamento das sanções econômicas sobre a Síria, que estão afetando diretamente a vida cotidiana e levando as pessoas as sofrimento.

“A verdadeira questão é como as pessoas estão sobrevivendo diariamente”, diz ela. “Com o produto interno bruto reduzido, comunicações  e a importação e exportação reduzidsa, torna-se impossível viver”, Ghanem conclui.

Ghanem estima que 50 a 60 por cento das pessoas perderam seus empregos por causa dos conflitos. “De certa forma, as pessoas estão sendo punidas pela comunidade internacional.” Ela explicou que mesmo um frango ou pão eram extremamente caros para as pessoas comuns. “As crianças estão morrendo de frio, porque não há combustível”, comenta. O que as pessoas querem, diz ela, é “liberdade e um Estado democrático”.

Mas quando questionada se isso significava a remoção de Assad, ela reflete.

A partir de suas próprias conversas privadas, Ghanem afirma que Assad ainda tem uma base de poder, especialmente entre as minorias que estão preocupadas com a alternativa que eles temem – um Estado islâmico.

“Nem todo mundo quer ver Assad sair”, acrescenta Ghanem calmamente.

© Newsweek, 2014.

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