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A indústria cultural está sendo reinventada por novos atores sociais

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Para o professor Marcelo Träsel, pesquisador de comunicação digital da PUCRS, vivemos um novo modelo de distribuição dos bens culturais: saímos de uma difusão radial para um modelo de recuperação sob demanda.Para Träsel, isso não significa uma mudança substancial na relação com a indústria cultural. “Parece que a indústria cultural está em crise, mas isso não é verdade”, explica, “quem está em crise são algumas das empresas que integram a indústria”.

Jornalista, mestre em Comunicação e Informação pela UFRGS e doutorando em Comunicação Social pela PUCRS, onde é professor-assistente, Träsel é estudioso e protagonista da internet brasileira, mantêm atualmente um blog (http://trasel.com.br/), depois de ter colaborado ou mantido outras experiências , como o fanzine eletrônico Cardoso On  Line, precursor das publicações eletrônicas nacionais e revelador de dezenas de talentos.

Na sua opinião, os downloads de músicas, séries, livros e quadrinhos, estão mudando nossa relação com a indústria cultural e de consumo dos bens culturais?

A disponibilidade instantânea de músicas, filmes, livros e outros bens culturais vem mudando já há algum tempo nossas práticas de consumo. Assim como weblogs, redes sociais e ferramentas de busca mudaram nossos hábitos de leitura de notícias, substituindo a primeira página editada por um jornalista pela página de resultados do Google ou a timeline do Twitter, os resultados de buscas no Netflix e no iTunes estão substituindo o hábito de escutar um artista na rádio ou ler a resenha de um livro no jornal e ir atrás das obras. Saímos de um modelo de difusão radial dos bens culturais para um modelo de recuperação sob demanda em bancos de dados. Mas não acredito que isso tenha mudado substancialmente nossa relação com a indústria cultural.

A Indústria se adaptou a estas mudanças?

Em primeiro lugar, ainda são produtores de Hollywood que decidem quais histórias serão filmadas, ou executivos de grandes empresas multinacionais que decidem quais jogos eletrônicos serão desenvolvidos, para exemplificar com um tipo novo de arte. São funcionários do Netflix e do iTunes que decidem quais artistas vão receber destaque nas páginas iniciais de ambos os serviços. É claro, o Netflix, o iTunes e a Amazon se adaptam um pouco ao nosso histórico de compras, mas não porque vejam nisso uma forma de permitir que cultivemos melhor o nosso espírito, e sim porque vendem mais produtos dessa maneira. O cidadão pode buscar filmes independentes no Netflix e livros obscuros na Amazon, mas os sistemas de sugestão automática inclusive desincentivam esse tipo de iniciativa. A tecnologia nos oferece a possibilidade de acessar qualquer bem cultural instantaneamente, mas a indústria cultural se adaptou a essa realidade e tudo segue mais ou menos como antes.

Por outro lado, temos também coletivos que se formam para legendar filmes, séries ou para distribuição de bens culturais.

Esse tipo de esforço coletivo é uma das expressões mais belas do potencial das redes de computadores para a colaboração e o avanço da humanidade. São fãs se reunindo para construir bens culturais públicos, pela simples vontade de dar acesso a uma obra que admiram para o mundo inteiro.

Na sua opinião, personalidades como Edward Snowden e do Julian Assenge que defendem a privacidade na internet contra governos e corporações são referências para os coletivos que produzem estes trabalhos?

Eles são referência para qualquer pessoa interessada em cibercultura, então são referência também para estes grupos. A única relação mais direta me parece ser que a privacidade na rede é essencial para quem distribui bens culturais ilegalmente, como no caso do Pirate Bay ou do New Album Releases.

Em junho, entrou em vigor o Marco Civil da Internet. Esta regulamentação favorece ou dificulta esta disseminação de produção cultural a margem da indústria?

Como não sou jurista, fica difícil dar uma opinião embasada, mas me parece que o Marco Civil deixou esse problema para ser resolvido pela revisão da lei de direitos autorais brasileira. Algumas das garantias civis introduzidas pelo Marco Civil beneficiam essas práticas, mas não há nenhum ponto específico da lei que favoreça ou prejudique, a meu ver, essa situação.

Então, como poderíamos imaginar o futuro do entretenimento na internet?

Honestamente, não vejo como poderia ser muito diferente, exceto por uma qualidade melhor de imagem e áudio e mais velocidade nas conexões. O processo de digitalização dos bens culturais, isto é, a eliminação da mídia física para obras literárias, musicais e outras, que seria a principal diferença, já é uma realidade.

Então, não há contradições entre a cultura de compartilhamento com o lucro? A indústria cultural está se reinventando a partir disso?

Já está se reinventando, desde o Napster. A questão é que a indústria cultural está sendo reinventada por alguns novos atores sociais – Google, Apple, Amazon – e não pelas empresas tradicionais como gravadoras e estúdios. Então, parece que a indústria cultural está em crise, mas isso não é verdade. Quem está em crise são algumas das empresas que integram a indústria cultural. Não sei como conciliar a cultura do compartilhamento com o lucro, mas posso prever com razoável certeza que o capitalismo encontrará uma forma de fazer isso. Muita gente pode ir à falência pelo caminho, mas até isso faz parte do espírito do capitalismo.

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Miguel Stédile é zagueiro, gremista, historiador e dublê de jornalista. © 2014.

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