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A Revolução será compartilhada

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A Revolução será compartilhada

Muito antes da Monalisa ilustrar imãs de geladeira e de Andy Warhol transformar latas de sopa de tomate em quadros, o filósofo alemão Walter Banjamin já anunciava que a tecnologia estava transformando a arte. Para Benjamin, as possibilidades de reprodução, no início do século XX, estavam tirando a arte dos salões elitistas e fechados, criando a possibilidade de acabar com a separação entre público e produção. Todos poderiam ser artistas e críticos de arte.

Para seu desespero, literalmente, a inovação tecnológica da época desaguou na II Guerra Mundial. E Benjamin, que era judeu e marxista, cometeu suicídio para não ser capturado pelos nazistas. Seus colegas de estudo – que conheceríamos pelo nome de “Escola de Frankfurt” –  constataram que a tecnologia retirou a arte dos museus, não para a emancipação humana, mas para transformá-la em mercadoria. Batizaram o monstro de “Indústria Cultural”.

Se estivesse vivo em nossos dias, Benjamin estaria empolgado. A nova revolução tecnológica – chips, miniaturização, fibras óticas – está transformando novamente a cultura e, talvez, o monstro por dentro de seu estômago. A era da portabilidade está abrindo novos caminhos e alterando a forma como nos relacionamos com a cultura.

Um bom exemplo disso está na cultura do compartilhamento. A ideia de baixar filmes, músicas e livros pela internet coloca em cheque toda a forma como a distribuição artística era feita até aqui. Mas, principalmente, recoloca o debate sobre o valor da obra, agora não mais em parâmetros comerciais. E nem estamos falando em termos ilegais. Artistas como Tulipa Ruiz, Karina Buhr e Criolo, para citar apenas brasileiros, colocam álbuns inteiros para download. A cantora Amanda Palmer propôs, inclusive, a mudança na forma do financiamento, defendendo os crowd-funding (em bom português, vaquinha) como forma de aproximação entre o artista e o público. Palmer arrecadou mais de um milhão de dólares para produzir seu álbum “Theatre is Evil”.

Os impactos destas possibilidades valem também para o jornalismo. Os jornalistas Peu Robles e Paula Sacchetta arrecadaram mais de R$18 mil pela internet para filmarem “Verdade 12.528”. Recentemente, Sacchetta foi contemplada em outro projeto bacana pela Agência Pública (apublica.org). Criada para estimular o jornalismo investigativo, a Pública distribui anualmente microbolsas para financiar reportagens. Os valores são arrecadados também através de contribuições financeiras pela internet e os selecionados são publicados na página da agência. Não a toa, entre os parceiros da Pública está o Wikileaks.

Antigamente, produzir vídeos exigia caros (e pesados) equipamentos, além de todas as dificuldades para entrar no circuito de exibição. Numa produção menos elaborada, webcams e celulares tem permitido o surgimento de milhares de videologs, formadores de opinião ou novas referências em temas diversos. As fronteiras entre produtores e receptores podem estar se extinguindo. Numa escala mais sofisticada, as novas câmeras fotográficas e filmadoras com tecnologia DSLR permitem resultados profissionais de qualidade. Em alguns casos, o número de views no youtube supera com facilidade dezenas de salas de exibição ou nos limites geográficos que um circuito impõem.

Tudo isso mostra que a forma como conhecíamos a Indústria Cultural – e o jornalismo – está ruindo. Até agora, as lojas de CD e as videolocadoras já caíram neste combate. Mas isso não significa que a indústria está morta. A Netflix já sacou que pode ser a videolocadora do futuro, assim como a Amazon ocupa o espaço das antigas livrarias. O fato é que o compartilhamento e a portabilidade estão dando uma segunda chance para a revolução projetada por Benjamin.

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Miguel Stédile é zagueiro, gremista, historiador e dublê de jornalista. © 2014.

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