
A tal da saudade
Essa coisa de saudade aparece é em horas estranhas.
Não nos prepara, não manda aviso, não deixa uma pessoa nos esperando com uma plaquinha de “Saudade” como no aeroporto. Ao contrário: como gripe e herpes, ela espera o cidadão estar com a guarda baixa para atacar. A gente pensando na prestação da escola das crianças ou na escalação do time e ela catapimba: irrompe, implacável. A saudade é muito sem vergonha.
Perdi meu pai há alguns anos. Só então descobri que a saudade tem tamanhos. Às vezes é pequenina, discreta, até tem sua graça, outras é bom nem lembrar. E que o tamanho da saudade é inversamente proporcional a aquilo que a desperta. Saudade não respeita solenidades ou efemérides.
Não foi na missa de um ano que ela emplacou. Não veio no Natal com a força que imaginei que viesse. Nem da foto na minha cabeceira nasce a imensa saudade do meu pai.
Não: a danada pinta de uma dúvida de Matemática do meu filho. De uma fatia de bolo de fubá. Camisa de flanela. De uma bola quebrando o vidro a saudade nasce.
Quando acende a primeira estrela, a saudade se lembra de uma lição sua de tantas tardes atrás – aquilo não é uma estrela, mas um planeta. Coisa à toa, não deveria ter consequência alguma, mas vai explicar isso nos interiores.
Cantoria que chega de longe na madrugada acorda a saudade do meu pai. Um tatu-bolinha se enrolando (havia tantos, onde se meteram?). O jornal de manhã que mancha o dedo que suja o pão de tinta tem o cheiro da saudade do meu pai. Vagalume. Batida de fruta. Noel. Olha ali meu pai camuflado no assobio da minha filha.
No perfume de uma lima cortada, impossível ele não estar. E vão me desculpar, mas todos os balões que teimam em cruzar o céu são soltos por meu pai, escondido em algum canto que eu daria tudo para descobrir. E não se preocupem, bombeiros, sensatos e inimigos dos balões: meu velho tinha predileção por aqueles pequenos, vagabundos, ditos chinesinhos, cuja bucha queima em minutos, mal subiu já apagou.
Como um dia apagou o calor imenso que havia dentro dele. Deixando essa saudade que fica vagando por aí – vagalume, balão, fubá, tatu-bolinha, assobio, estrela, só esperando uma distração para dar o bote.
Falar nisso, olha aquela minhoca ali.
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Cássio Zanatta é natural de São José do Rio Pardo, o que explica muita coisa. Escreve crônicas há um bom tempo – convenhamos, já estava na hora de aprender. © 2014.