
A violência e as penas
Sempre acharam exagerada a profecia de Alfred Hitchcock em seu filme “Os Pássaros”. O cineasta defendia que esses seres alados poderiam, um dia, atacar humanos de modo inesperado e violento.
Mas o descrédito ao mestre do suspense durou até o dia do famoso episódio do “pombo da Sé”.
Foi numa tarde comum de uma terça-feira ainda mais genérica. Office-boys passavam alvoroçados pelas calçadas da área mais central de São Paulo, assim como contínuos, escriturários e tantos outros trabalhadores paulistanos.
De repente, um grito tenebroso ecoou pela Sé.
Segundo a polícia técnica informou mais tarde, um crime hediondo tivera lugar ali: um pombo acertara a aorta de uma idosa com seu bico, deixou-a sangrando como uma porca e fugiu voando com a carteira da senhora pendurada em suas patinhas.
Câmeras flagraram o momento em que o animal, de forma completamente errática, deu um sobrevoo sobre o banco de praça e atacou a pobre mulher.
O fato foi registrado na delegacia mais próxima. Contudo, estava apenas começando ali a onda de horror e violência aviária na cidade.
Dois dias depois do latrocínio da Sé, 49 pardais foram capturados quando tentavam linchar um homem no Brás. O cidadão, cujo nome não foi revelado, estava a caminho do Mercado Central – onde fornecia gaiolas e cercados para aprisionar perus e marrecos – quando sobreveio o ataque. Um juiz pediu a prisão preventiva dos pássaros, mas o advogado de uma ONG de defesa da fauna brasileira entrou com uma liminar e os animais responderão ao processo voando em liberdade.
Fato ainda ainda mais inusitado teve lugar logo após essa tentativa de linchamento de um homem por pardais.
Um grupo de bem-te-vis de papo amarelo, mancomunados com sábias-laranjeira, invadiram um supermercado de produtos para pets, renderam os caixas e fecharam as portas do estabelecimenfo.
Até o momento, dezenas de pessoas ainda estão dentro do estabelecimento. A polícia tenta uma negociação inédita usando um pombo-correio, uma cacatua e um papagaio treinados às pressas para mediar o conflito.
Segundo informaçōes preliminares fornecidas pelo louro, os bem-te-vis e sábias estariam pedindo pela libertação dos reféns 80 sacas de alpiste, 40 de quirera e a garantia de que não serão estilingados ao deixarem o prédio.
Psicólogos e veterinários especializados em comportamento de aves ainda não sabem precisar o fenômeno. Alguns arriscam o palpite de que o surto de violência poderia estar ligado a um vírus semelhante ao da gripe aviária. Outros creem que sejam traumas adquiridos ainda na chocadeira pelos pássaros.
Polêmicas à parte, o que ocorre é que a onda de crimes envolvendo aves segue crescendo a ponto de deixar o filme de Hitchcock pinto perto do que se vê nas ruas.
O maior temor das autoridades, entretanto, é que os atos criminosos cheguem às galinhas. Isto porque, além de serem milhões e milhões, elas trazem em si um ódio represado por milênios de escravidão e execuções diárias.
Se esse fato ocorrer todos concordam que, para a sociedade e a democracia, será uma pena.
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Carlos Castelo. Escritor, letrista, redator de propaganda e um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. © 2014.