
As fotos roubadas
Roubaram as fotos do nascimento do meu filho Pedro. Mais precisamente: roubaram a câmera onde estavam registradas as fotos do nascimento do meu filho Pedro. Em plena maternidade. Na sacrossanta sala de parto.
Pedro nasceu, com o merecido registro, deixei a câmera em um canto, acompanhei a mãe de volta ao quarto e, quando dei pela falta da dita cuja e voltei para recuperá-la, ela havia sumido. E sumida ficou.
Na verdade, nem havia muitas fotos – quem se lembra de fotografar numa hora dessa? Mas de uma foto não esqueço: a mãe barriguda saindo de casa, puxando pela mão a primeira filha, um tanto assustada. Não à toa: quem poderia garantir que a cegonha não aterrisasse no caminho, distribuindo bicadas em quem tentasse pegar sua preciosa trouxa?
Nem preciso dizer que não faço a menor questão da máquina. Era um modelo banal, de poucos recursos. Por que alguém iria querer roubá-la, santo Cristo? Ah, sim: lembro que entre os fotografados havia um assistente japonês metido a contar piadas. É provável que elas não fossem boas – as fotos, não as piadas. Sou mau fotógrafo. Um profissional de luzes estouradas, enquadramentos enigmáticos e borrões que fariam Delacroix parecer Francis Bacon. Junte a isso a emoção do momento e tire o leitor mesmo o instantâneo.
Fique com a máquina, venda a pobre, empenhe para pagar dívidas de jogo, troque-a por uma flâmula do poderoso Bangu de 1966 – que me importa, eu só quero as fotos de Pedro vindo ao mundo.
Outras câmeras poderão registrar pores de sol na Bahia; poderão se aborrecer com outras formaturas; até mesmo serem roubadas sem grandes lamentos ou prejuízos. Mas, ah, senhor ladrão de máquinas esquecidas em salas de parto por pais emocionados, o nascimento do meu filho não se repetirá, como parece óbvio. Seja razoável. Dê um jeito de chegar a mim aquelas fotos. Não darei queixa, não recorrerei a esferas superiores, nem farei despachos desejando seu mal (mais por preguiça que conformidade).
Então ganharei duplamente. Ao rever meu pequeno e lindo Pedro em seu choro, melecado, desajeitado, ensanguentado, para enfim serenar, acolhido pelo cheiro e calor da mãe. E pela honrosa constatação de que, afinal, as pessoas não podem ser tão estúpidas a ponto de roubar uma máquina ordinária da sala de parto em que um pai registrou o nascimento do seu filho.
Devolva as fotos. Já.
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Cássio Zanatta é natural de São José do Rio Pardo, o que explica muita coisa. Escreve crônicas há um bom tempo – convenhamos, já estava na hora de aprender. © 2014.