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Até quando esperar

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Camila

Até quando esperar

Há algum tempo, li uma matéria publicada na Folha de São Paulo sobre um movimento de pais chamado “Infância Livre de Consumismo”, que tem mais de 78 mil integrantes e luta contra a publicidade infantil. O objetivo é alterar o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, considerando abusiva “a publicidade que seja capaz de induzir a criança a desrespeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família e que estimule o consumo excessivo”. O texto inclui apenas duas frases no atual e foi aprovado pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática. Agora, segue para a análise da Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania.

Entre os exemplos citados pelo grupo, está o argumento de que a publicidade infantil tem incentivado as crianças a comer de forma não saudável, dados embasados por pesquisa do Ministério da Saúde, que mostra que 72% dos comerciais em TV e em revistas são sobre estes alimentos. Também apontam estudos que afirmam que produtos com excesso de gordura, sal e açúcar estão presentes na vida das crianças e que se fossem vetadas (as propagandas), reduziriam de 15% a 30% a questão de sobrepeso infantil.

Concordo com dois pontos de vista deles: de que, por muitas vezes, a publicidade, não só infantil, é abusiva, e de que é papel do governo colaborar para a melhor qualidade de vida do cidadão, seja ele de qualquer idade, dando-lhe subsídios para uma vida melhor. No entanto, proponho aqui uma reflexão sobre o papel dos pais na educação e responsabilidade pela criação de seus filhos: na mesma proporção em que a publicidade está direcionada às crianças, a informação sobre os malefícios de alimentos industrializados feitos com proporções inadequadas de sódio, gordura e açúcar está disponível aos pais.

 Portanto, se o poder aquisitivo (leia-se aqui de decisão de compra) está totalmente nas mãos deles, cabe aos adultos a decisão final sobre os produtos que são levados para casa. Não será o momento de refletir sobre “como se criar filhos” ao invés de transferir a responsabilidade pela escolha dos alimentos que entram nas refeições das crianças a um artigo do Código de Defesa do Consumidor?

Há 12 anos há um projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados sobre o assunto. Pode não ser fácil conquistá-lo, mas parece que, para os pais deste movimento, tem sido mais cômodo culpar a (falta de) lei a tomar a responsabilidade de seus filhos para si. Tenho uma afilhada que, ao contrário das outras crianças, em festa infantil pedia água e não Coca-Cola. Que no almoço comia cenoura e fruta de sobremesa. Isso porque os produtos existiam nas estantes dos supermercados, mas não nas estantes do armário de casa. É questão de hábito. A transformação é possível, mas não mais fácil.

É melhor achar culpados por uma geração obesa fora de casa, do que pegar na mão e ensinar o caminho certo. Se há alimentos com embalagens de super –heróis é porque existem pais que compram e convencem seus filhos a comerem isso ou aquilo pela figurinha e não pelo sabor ou valor nutricional. Ou aqueles que trocam o banho e a lição de casa por bolacha do personagem “x” ou salgadinho do “y”. Ou ainda, aqueles que tentam suprir sua falta (muitos se sentem culpados por trabalharem fora) com estes “mimos”.

Está na hora de mudar os valores e ensiná-los a conviver com as seduções do mundo lá de fora, que a publicidade só faz aumentar. A ensinarem a olhar para o suquinho com personagem e optarem pelo outro. A mostrarem que o produto de limpeza sem bichinho limpa melhor e até é mais barato, o que permite comprar também o iogurte ou o chocolate. É assim que se ensina uma criança a ser um adulto preparado para o mundo, não sancionando leis.

Mas, se estes pais conseguirem o que querem e não pararem para refletir, certamente terão de enfrentar outros desafios em poucos anos. Se hoje não ensinarem seus filhos a resistirem à sedução das propagandas, quem dirá à sedução das drogas, do álcool e de outros perigos na adolescência? Não será melhor tomar para si a responsabilidade por seus filhos desde já? Melhor começar logo, porque mesmo sem publicidade, um dos maiores mercados (informais), com maior movimentação de dinheiro, e que mais matam no país e no mundo tem decretos, artigos e leis aos montes que o condenam, mas antes disso, levam milhões à morte. Como a obesidade, só para lembrar.

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Camila Linberger é relações públicas, sócia-diretora da Get News Comunicação, agência de comunicação corporativa e assessoria de imprensa sediada em São Paulo. © 2013.

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