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Crimeia – As assimetrias do poder

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Nas últimas semanas, o mundo assistiu aos acontecimentos sobre a realização de um referendo pós-crise política na Crimeia. O resultado, como demonstravam pesquisas prévias, foi o desejo da população de voltar a pertencer ao Estado russo, processo que ocorreu momentos depois do veredicto da população. A questão, no entanto, é mais complexa do que isso, e causou graves estremecimentos na política diplomática internacional. Dentre outras consequências, o mercado financeiro ficou instável, a Rússia foi suspensa do G8 e a Europa corre o risco de passar por um racionamento de gás, caso aquele país decida revidar as sanções impostas pelo Ocidente.

Há, portanto, uma divisão da política internacional – ainda que incipiente – em dois blocos, que lembra os anos da Guerra Fria. Os ucranianos, apoiados pelos europeus e pelos EUA, argumentam em favor do cumprimento do direito internacional, que diz respeito à integridade territorial. A Rússia, por sua vez, apoia-se no princípio da autodeterminação dos povos, prescrito na Carta da ONU e o consequente resultado do referendo.

Enquanto muitos debatem a questão em torno de uma dicotomia do bem e do mal, conjugando fatos em busca do certo e do errado, toda a comunidade internacional perde com o desfecho da situação política na Crimeia, que uma vez mais tem sua credibilidade reduzida e prova sua incapacidade de solucionar de maneira pacífica e equilibrada uma controvérsia internacional. Isso faz proliferar a descrença e a insegurança no sistema internacional, aumentando os riscos e reduzindo a confiabilidade da diplomacia. A anexação da região da Crimeia pela Rússia retrata a baixa capacidade de enforcement das instituições internacionais de fazer valer as normas do direito e dos costumes internacionais, ou mais precisamente neste caso, de acomodar o conflito de forma justa e diplomática entre as partes.

Waltz, um teórico neorrealista de política internacional coloca, em sua teoria, dentre outros elementos, a distribuição das capacidades relativas como uma importante variável a considerar sobre o sistema internacional. Isto é, a distribuição de recursos de poder é desigual entre os Estados, configurando o sistema internacional por meio de polos assimétricos de poder. Por isso é que existem as instituições e as organizações internacionais, pois são responsáveis por auxiliar nas relações conflituosas Estado-Estado, neutralizando assimetrias e decisões unilaterais. No caso da Crimeia, a Ucrânia foi/é incapaz de confrontar a Rússia, submetendo-se à sua vontade.

Não se trata de estabelecer certo ou errado. Ora, os EUA e os europeus, ainda que tenham consciência de sua superioridade militar, econômica e política, são pragmáticos ao se contrapor à anexação: pretendem manter sua hegemonia de poder e conservar sua influência na região. Mas desta vez não mergulharam em um conflito militar, talvez por contradições e incertezas quanto a legitimidade de uma ação bélica, ou mesmo por recentes incursões militares mal sucedidas no Oriente Médio.

Isso exposto, resta a reflexão: se as instituições internacionais não têm capacidade de mediar os conflitos existentes, permitindo a evasão das normas e o controle dos mais fortes sobre suas ações, então os países mais fracos estarão sujeitos à vontade dos Estados mais fortes? Isso não parece ser novidade. E a ONU, transformou-se em uma cúpula de mediação exitosa apenas quando duas partes de uma controvérsia são Estados frágeis e incapazes de causar danos um ao outro? Nesse sentido, a escalada das discussões, como ocorreu no caso da Crimeia, pode conduzir a humanidade a conflitos catastróficos, como já ocorreram na história. Não houve oposição militar às ações da Rússia, mas se houvesse, isso os faria retroceder?

Dentro do controverso teatro político das relações internacionais, Waltz aponta que a percepção deve estar voltada para a estrutura internacional, e não para suas unidades – os Estados. Em um sistema internacional multipolar, como existem diversos polos de poder tentando reduzir suas desvantagens frente aos demais, há maior probabilidade de conflitos, completa o teórico. Diante disso, o litígio entre Ucrânia e Rússia pode abrir precedentes para outras incursões políticas e militares, desta vez não tão bem amparadas no direito internacional.

A depender do futuro, o passado já nos mostrou que a resolução dos conflitos pelas vias militares trazem os piores resultados. Guardadas as devidas proporções e profundas diferenças de conjuntura, a esterilidade das instituições internacionais na década de 1930 culminou com expansionismo alemão sufocando a Europa e o início da segunda Guerra Mundial. Putin não é Hitler, a Rússia é Alemanha daquela época e nem o caso da Crimeia parece ser um atrocidade contra os direitos internacionais, mas se o premier russo deixar suas paixões imperiais tomarem conta da agenda política de seu país, o mundo vai se reencontrar com um problema geopolítico sem dimensões.

Por Luiz Renato Nais

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