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Desejos

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MONO

Desejos

Era sempre assim: chegava na hora de apagar as velas do bolo de aniversário e eu soprava todas de uma vez, sonhando em ganhar uma coleção completa com todos os bonecos, carros, aviões e barcos do Comandos em Ação.
Velas apagadas, trabalho feito, consciência tranquila, eu voltava pro quarto. Mas não, eu não achava que ia entrar lá e magicamente todos aqueles brinquedos apareceriam no meu quarto. “Não, claro que não!”, pensava eu, muito consciente para alguém de 6 anos. “Se de repente aparecesse um monte de brinquedos no meu quarto, assim sem explicação, meus pais desconfiariam do meu desejo”. E o desejo era secreto. As regras eram bem claras. O que eu imaginava era simplesmente que, por algum motivo desconhecido, meus pais resolveriam comprar pra mim a coleção completa e me entregar. Só não tinham feito isso ainda pra não causar ciúmes nos meus irmãos. Ou eu ligaria pra um programa tipo o Bozo e ele me daria a coleção toda. Sendo que a participação das velas, nos dois casos, seria dar condições para que tudo isso acontecesse. No caso, meu pai ganhar na loteria e me presentear com os brinquedos ou eu ter a sorte de que o Bozo atendesse ao telefone e tivesse na hora essa ideia. O Bozo era cheio de boas ideias, afinal.
Nos dias seguintes tinha uma certa angústia, claro, uma expectativa que não dava em nada e uma pontinha de decepção que era esquecida pelo presente de aniversário que eu realmente tinha ganho. Mas no ano seguinte, provavelmente eu pediria novamente para as velas do bolo de aniversário alguma coisa impossível, (só os idiotas desperdiçariam uma chance dessas com um pedido simples!) e ficaria esperando que acontecesse. Eu não tinha nada a perder. Até porque as velas eram muito mais generosas. Era só pedir o que quisesse e, se apagasse todas de uma vez, um desafio honesto, o desejo se realizava. Muito melhor do que o Papai Noel, aquele safado, que exigia que eu fosse bonzinho o ano inteiro e por causa de uma briga com um irmão, uma lâmpada quebrada ou uma notazinha abaixo da média na escola, poderia colocar tudo a perder.
Esse velhinho barbudo era mesmo um tratante, embora, no placar final, eu tenha ganhado presentes do Papai Noel algumas vezes, enquanto as velas, até hoje, continuam devendo aquela coleção.

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Diogo Mono. Redator publicitário, tenta ser escritor, será pai de família e continua sendo um observador das coisas do cotidiano. © 2014

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