
É primavera!
Sei que é preciso falar dessa falta de água pavorosa, do insuportável do trânsito, da violência sem controle, contribuir com o debate sobre as ciclofaixas, mas quero falar mesmo é da chegada da primavera.
Ah, tenha santa paciência, pensa o leitor. Com toda a razão. O mundo se acabando e o sujeito vem falar de florzinha. Tiro para tudo que é lado, menino matando os pais a facadas, criança brincando na água do esgoto, toda a maldita poluição, fumaça de ônibus queimando na manifestação e o cara vem com esse papinho de pétala e o escambau.
Vejamos se ele ao menos vem com alguma contribuição, algum olhar novo sobre tema já tão manjado.
Não, não tenho. Acho que não. Meu olhar ainda é aquele, acha graça em coisas bocós como uma mudança de estação. Um olhar cego ao colapso lá fora, num texto batido. E entre tantas notícias urgentes, insistindo em desfilar mesmices.
Wake up, amigo, o seu mundo acabou, a-ca-bou, virou sucata, é “Saudosa Maloca” cantada pela velha turma ao violão, no bar de sempre, pela ducentésima vez.
E agora, para onde vai essa crônica? Em que galho podado onde cantava o sabiá e agora está um cartaz de “Trago Seu Amor de Volta” ela vai pousar? Pólen voando no ar que vai parar no nariz do PM alérgico que espirra na nuca da socialite brega que se deita com o político evangélico que mandou derrubar a árvore que deveria estar florindo.
O que dizer agora? A verdade: que só escrevi essa joça porque achei bonito o jacarandá na frente de casa se pintar de roxo. Dizem que é um jacarandá-mimoso. E sei que dizendo essa flor de pieguice me arrisco a levar um tiro nas fuças. Um, não, uns trinta e sete, fora as facadas, até ficar mutilado e irreconhecível, com direito a manchete em jornal sensacionalista e a oito minutos no programa do Datena.
É primavera nesse Brasil que não reconheço mais.
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Cássio Zanatta é natural de São José do Rio Pardo, o que explica muita coisa. Escreve crônicas há um bom tempo – convenhamos, já estava na hora de aprender. © 2014.