
Lavagem (de roupa) cerebral
Depois de perceber que eu sofria por várias horas tentando escrever um texto, meu cérebro resolveu ajudar.
– E aí, não saiu nenhuma ideia pra crônica dessa semana?
Ele parecia estar interessado em me ver publicando algo singular.
– Tentou se aquecer lendo algum autor que curte?
– Li um capítulo inteiro do Evelyn Waugh e nada – respondi.
– Waugh é muito londrino. Deixa de ser metido, você mora em São Paulo, não no Green Park de Londres. Que tal ler a Lya Luft?
– Lya Luft? Peraí, você é um cérebro ou um vendedor da Siciliano? Tenha a paciência! – me exasperei.
– Tudo bem. E uma musiquinha? Não era você que ouvia Modern Jazz Quartet pra escrever? – indagou ele, mudando de assunto.
Eu já tinha fuçado meio Spotify e não achava nada que me colocasse em estado inspiracional. Só conseguia ter ideias pífias.
– Conta um pouco o que você já percorreu – pediu meu cérebro.
Dei uma noção pra ele das minha tentativas até o momento.
– Bom, comecei com uma daqueles histórias na primeira pessoa em que me ferro. Sempre funcionam, as pessoas se identificam com o narrador se dando mal.
– Lê uma parte dela pra mim?… – solicitou ele.
– Ah, não ficou legal. O tom estava bacana, mas a história, em si, não tinha a menor graça.
Ele fez uma pausa pra elaborar melhor e perguntou se eu tinha imaginado outros caminhos.
– Tentei também uma crônica surreal. Uma levada meio Saramago, aquela coisa de todo mundo ficar cego, sabe? Só que na minha narrativa um país inteiro – mulheres, homens, crianças – pegava a mesma doença.
– Parece bom esse tema, hein? – disse ele se interessando.
– No começo também achei, mas depois vi que isso já está acontecendo. É a dengue.
– Humm, é mesmo! Mas então por que não tenta alguma piada política?
– Sei não, sátira política hoje em dia até o Cartoon Network faz. E melhor que muito cartunista da grande imprensa.
Ele começou a se impacientar.
– Sei lá. Talvez uma daquelas listas que você posta no seu blog. Tipo “25 coisas que você nunca deve fazer com seu pênis”. É estúpido, mas é curtinho, você se livra logo dessa agonia.
Foi minha vez de perder a paciência com aquele amontoado caótico de neurônios.
– Estúpido pra você que recomenda leitura de Lya Luft como inspiração. Saiba que fazer uma lista de humor original pode ser mais difícil do que escrever um conto.
– Conto? O que você sabe de contos? Pelo que vejo você se esfola todo para escrever 500 palavrinhas, imagina um conto.
Só não perdi a cabeça porque meus miolos estavam nela. Disse:
– Te agradeceria se não colaborasse pra que eu travasse mais do que já travei. Você é meu cérebro ou meu orientador de pós-graduação?
Ele também não estava num bom dia, talvez com uma enxaqueca. Replicou com desdém:
– Você manda. Quer que eu seja o quê hoje? Seu Ego, seu Id, seu Superego?
– Não seja irônico – o interrompi – você sabe que é VOCÊ quem manda aqui. Inclusive se não está saindo crônica nenhuma é porque o “senhor cérebro” não quer fazer.
– Quer saber de uma coisa? – falou ele em tom definitivo – liga o foda-se. Tecla aí qualquer coisa, ninguém lê mesmo o que você escreve…
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Carlos Castelo. Escritor, letrista, redator de propaganda e um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. © 2014.