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Não confie em ninguém com mais de trinta

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Se você tem mais de trinta anos, certamente se lembra de uma banda dos anos 80 e 90, chamada Titãs.

O grupo podia transitar do mais simples e pesado, como “bichos escrotos”, flertando ao poético como “Flores”, sem soar incoerente. Pelo contrário, o Titãs era eclético no melhor sentido da palavra. Poderia disparar contra os políticos e ditadores em uma música, para regravar um soul pouco conhecido como “Marvin” em outro. Sem eles, e sem o álbum O blesq blom, onde apropriam o repente e a música regional, provavelmente o Sepultura não teria gravado “Roots”. Os primeiros shows que assisti de Raimundos e Mundo Livre S/A, antes de tocarem nas rádios, foram abrindo para esta banda. Os caras tinham café no bule para trazer Jack Endino, produtor do Nirvana e de todo o mundo grunge, para produzir um disco deles. Certamente, Cabeça Dinossauro, Jesus não tem dentes no país dos banguelas, Go Back (gravado no festival de Montreaux) e o já citado O Blesq Blom estão em quaisquer listas dos melhores discos de rock nacional.

Se você tem menos de trinta anos, talvez conheça um quarteto chamado Titãs. E talvez não tenha ficado constrangido em saber que um deles comanda a banda de auditório de um programa feminino na TV pela manhã. Ou que o rapaz que cantava “homem primata, capitalismo selvagem” ou “quem quer manter a ordem” hoje faz comerciais para bancos. Talvez você não conheça o repertório deles no anos 80 e torço para que não conheças as regravações deles de Roberto Carlos e outras coisas românticas.

O que é realmente constrangedor é assistir ao novo clipe destes caras, “Fardado”. Primeiro, ver cinqüentões fantasiados como o Coringa do Batman é sempre ridículo. Mas o pior é que a música é um auto-plágio de “Polícia”. Com a diferença que, anos atrás, certa tarde no Vale do Anhangabaú, uma imensa roda de pogo, com umas quinhentas pessoas dançando “Polícia”. Hoje, seria impossível imaginar esta cena com “Fardado”. Não só porque a música parece um amontoado de rimas fáceis, como, nada pior no rock, soa bem artificial. É difícil acreditar que quem está tão integrado no establishment esteja mesmo preocupado com a violência policial.

Envelhecer com dignidade é difícil. Outros ícones do rock nacional dos anos 80 se parecem com o louco da cidade, vociferando no twitter contra tudo e todos. Outros escrevem amontoados de bobagens em livros. Sobre o que o Dinho Ouro Preto pensa, eu não sei, porque não entendo o que ele fala. O caso é que já não produzem nada realmente novo há algum tempo e acham que reiventar é se repetir. Ou aderem à polêmica fácil como subcelebridades se agarram a uma propaganda de laxante.

Acredito que as pressões comerciais e industriais sejam grandes. Assim como as contas a pagar e a faculdade das crianças. Talvez Nando Reis e Arnaldo Antunes tenham sacado isso e preferido arriscar em algo mais autoral (e ainda assim popular). Ou talvez, como dizia outra música, a juventude seja só uma banda num comercial de refrigerantes.

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Miguel Stédile é zagueiro, gremista, historiador e dublê de jornalista. © 2014.

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