
O futuro do entretenimento é o livre acesso a tudo
A crise do mercado editorial brasileiro, com o fechamento de editoras e alto custo de publicações, deixou órfão um público específico: os leitores de quadrinhos adultos, com poucas opções nacionais e reféns da importação de títulos. Porém, há mais de sete anos, o publicitário e design VonDews tem se dedicado a tarefa de traduzir e disponibilizar historias em quadrinhos adultas na internet.Uma atividade que começou com uma “famigerada e metódica revisão para uma comunidade no orkut”, como ele conta, e prossegue até hoje a frente do site Vertigem HQ (http://vertigemhq.blogspot.com.br/).
Assim como sites de legendagem de filmes e séries, o trabalho é colaborativo. Os scanners das revistas originais vêm da própria internet, de sites semelhantes nos Estados Unidos. Sobre a tradução, o tempo depende da disponibilidade dos envolvidos. “Como é um trabalho de fãs, não há pressão, nem datas, cada um faz no tempo que lhe aprouver”, explica, “há revistas mais complicadas, tipo The Boys, que demoram muito mais que outras”. Uma pequena parcela de títulos, como Hellblazer, um dos mais populares da página, são restauradas digitalmente por colaboradores brasileiros.
“O que une todos os colaboradores é a vontade de ver seus quadrinhos preferidos em sua língua pátria”, conta Von Dews, “então há todo tipo de pessoa, os diagramadores e letristas são pessoas mais ambientadas ao design, mas os tradutores vão desde estudantes a advogados e médicos”. A média de idade também é ampla, desde os 18 aos 60 anos. “Os mais novos querem todos fazer The Walking Dead”, ironiza, “enquanto os mais velhos são saudosos da Vertigo de Sandman e Preacher”.
Para VonDews, a relação entre a indústria cultural e a cultura de compartilhamento na internet ainda está em aberto. “Há pessoas que ganham dinheiro com o compartilhamento, porém de formas alternativas como links direcionados, propagandas e doações. É uma forma indireta de lucrar, mas acho que ninguém nunca ganhou nada até hoje, o Vertigem HQ nunca ganhou nenhum dinheiro dessa forma”, discorre.
Para ele, as editoras precisam parar de pensar como vítimas e se adaptarem ao mundo contemporâneo. “A ‘maravilha’ da internet é isso, você pode ver um desfile de moda em Paris, uma chegada ao Monte Everest ou um rascunho do Mike Deodato ‘ao vivo’, em tempo real, você pode participar ou pelo menos ter conhecimento sem a necessidade de um repórter, uma editora ou nenhum intermediário”. VonDews decreta com convicção: “ o futuro do entretenimento é o livre acesso a tudo, você cria seus filtros, você escolhe o que quer sem que alguém diga o que pode e o que não pode ser visto, lido ou consumido!”.
Neste admirável mundo novo, personalidades como Edward Snowden ou Julian Assenge, que defendem a privacidade na internet contra governos e corporações, são referências. “Eu admiro o Assenge e o Snowden, que além defender a privacidade, também são a favor da exposição dos “segredos” dos governos. É uma via de mão dupla, se eles podem saber de nós, nós podemos saber deles!”, declara.
A auto-regulação da internet, pela própria prática dos usuários, é outra bandeira de VonDews: “o futuro da indústria cultural é esse, não como frear o compartilhamento, quanto mais se proíbe, mais tem arranjam formas de compartilhar”. Segundo ele, “a partir do momento que a tecnologia permite que uma HQ feita na Europa, consiga chegar ao Brasil, sem custo, traduzida e com qualidade (visto que nunca chegaria por vias normais, ou seja, por editoras) quem tem que rever os métodos de distribuição, preço e acesso são as editoras e não o leitor/consumidor final”. As discussões estão abertas e agora podem ser os leitores quem definam as regras do jogo.
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Miguel Stédile é zagueiro, gremista, historiador e dublê de jornalista. © 2014.