Connect with us

O perigo por trás da terceirização

Published

on

Via de regra, há vínculo empregatício entre a pessoa que fornece a mão de obra (empregado) e o beneficiário do trabalho (empregador). No entanto, em que pese a legislação trabalhista não dispor acerca de situações de excepcionalidade, a necessidade de mercado culminou na prática frequente da terceirização.

Foto: Wikimedia

Foto: Wikimedia

É uma exceção à regra legal, permitindo que uma empresa (tomadora de serviços) contrate um trabalhador por meio de outra empresa, denominada prestadora de serviços. A tomadora acaba por se beneficiar da mão de obra daquele trabalhador, mas sem a criação do vínculo de emprego. Ou seja, a real empregadora continua sendo a prestadora.

Trata-se de prática cada vez mais utilizada pelas empresas como meio de reduzir custos com mão-de-obra, especialmente quanto à execução de serviços que não condizem com o seu ramo econômico.

Ou seja, a necessidade de mercado que justificaria a utilização e manutenção da terceirização é originada das mudanças no sistema econômico, que cada vez mais preza pela especificidade. Assim, a tomadora tem como foco a sua atividade principal (atividade-fim), deixando para a prestadora os esforços relacionados a atividades-meio, a exemplo da limpeza e vigilância.

Contudo, de forma lastimável, verifica-se que este fenômeno tem sido utilizado para fraudar a legislação e diminuir custos do tomador, suavizando também riscos com passivo trabalhista.
Na prática, em arrepio da legislação, é comum encontrar empresas que contratam trabalhadores por meio de prestadoras para desempenho de atividades-fim. Isso com evidente propósito de baratear a mão de obra e criar situação desigual e totalmente discriminatória entre empregados e terceirizados, já que fazem a mesma coisa e recebem valores distintos.

E isso não passou despercebido pela Justiça Trabalhista, tanto que o Tribunal Superior do Trabalho editou a sua Súmula 331. Para o TST, a contratação de trabalhador por meio de empresa interposta é considerada ilegal quando verificada a realização de atividade-fim da tomadora, gerando com ela vínculo direto. A exceção, neste ponto, é quando tratamos de trabalho temporário.

Fixou-se também que não existe vínculo de emprego quando tratamos de serviços de vigilância e de conservação ou limpeza, bem como de outras atividades ligadas à atividade-meio da empresa, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta (requisitos básicos para gerar vínculo nos termos da CLT). Nestes casos, em que o ato é considerado válido, não se configura o vínculo, mas a tomadora sempre responde de forma subsidiária pelos direitos trabalhistas do empregado envolvido.

Assim, a empresa tomadora não poderá exigir que um funcionário específico da tomadora seja aquele que irá lhe prestar os serviços, eis que o contrato com a empresa prestadora é pelo serviço em si, independente de qual será o obreiro que irá efetuá-lo. Ainda, qualquer situação individual a ser resolvida, orientações, ordens ou punições que tenham que ser passadas ao funcionário terão que ser emanadas de seu empregador efetivo, ou seja, da empresa prestadora e não da empresa tomadora.

Neste ponto, também vale destacar que a questão teve repercussão geral reconhecida há poucos dias pelo Supremo. Nos autos do A-RE 713.211, a Suprema Corte reconheceu a relevância quanto à fixação de parâmetros para identificar o que representa a atividade-fim de um empreendimento para fixar a possibilidade ou não da terceirização.

Outra exceção a ser destacada é quando se fala de administração pública. Nestas hipóteses, considerando que a contratação apenas é possível via concurso público, nunca é formado o vínculo direto de emprego, sob pena de sua nulidade justamente pelo descumprimento dos requisitos constitucionais para a admissão.

Todavia, isso não lança o trabalhador envolvido ao limbo, deixando-o sem a contraprestação devida pelos serviços realizados. Ou seja, ainda que não formado o vínculo, a administração pública é responsável subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas. Se a empregadora não pagar, a tomadora ficará responsável. Neste ponto, entretanto, a responsabilidade apenas se aplica quando provada a falta de fiscalização pela tomadora ligada à administração pública.

Esse entendimento foi consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 16, estabelecendo-se a responsabilidade subjetiva tão somente quando provada a omissão na fiscalização do contrato de trabalho, bem como a falta de cautela quando da contratação de prestadora inidônea (contratando, por exemplo, empresa sem saúde financeira, de modo que a inadimplência é quase certa).
Ou seja, a tomadora não pode simplesmente se beneficiar da mão de obra do trabalhador, fechando os olhos para a execução do contrato pela empresa prestadora de serviços. Afinal, se a lei exige que a administração pública cumpra inúmeros requisitos para a contratação, o descumprimento gera a sua responsabilidade, o que é corroborado quando provada a falta de fiscalização do próprio contrato.

Neste exato sentido, adequando-se ao atual entendimento do Supremo, o Tribunal Superior do Trabalho alterou a redação de sua Súmula 331, pela redação de seu inciso V, consagrando que a responsabilidade não surge pelo simples inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada, mas da prova de que ela deixou de cumprir as regras já citadas, notadamente no que tange à fiscalização do contrato em si.

A discussão sobre a prática da terceirização como maneira de fraudar a legislação trabalhista, criando tratamento discriminatório e prejudicando que o trabalhador alcance os seus direitos trabalhistas em face do árduo trabalho realizado, voltou à tona em razão do Projeto de Lei 4330/2004. O projeto tramita em nosso Congresso Nacional e acaba por chancelar a realização da terceirização de forma indiscriminada, autorizando que sejam terceirizados todos os ramos dos setores produtivos e de serviços. Abre a possibilidade, inclusive, de terceirização no serviço público, em contrariedade aos princípios constitucionais que alicerçam a administração pública (impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).

O projeto vem sendo objeto de amplo combate pelas centrais sindicais (e pelo próprio Judiciário), vez que joga no lixo as conquistas já alcançadas, possibilitando a precarização do trabalho. É verdadeiro retrocesso social que merece e deve ser combatido, pois abandona as restrições já consagradas pela Justiça Trabalhista, criando grave e irreversível lesão aos direitos
sociais e trabalhistas outrora conquistados.

Em síntese, a cada dia a terceirização é mais utilizada pelas empresas, não se negando a sua possibilidade e importância. Todavia, a sua prática deve observar, de forma precisa, as restrições necessárias, sob pena de chancelar fraude pela tomadora de serviços em arrepio da legislação trabalhista.

Não deve ser utilizada como instrumento de retrocesso social, criando injustiça e práticas discriminatórias pelas empresas, inclusive pela administração pública. O papel do judiciário é importante para impedir o seu uso indiscriminado, mas a atuação das centrais sindicais e da própria sociedade brasileira é tão importante quanto, combatendo a aprovação do projeto de lei já indicado, sob pena de se autorizar práticas totalmente fraudulentas, em ofensa à dignidade da pessoa humana e aos princípios constitucionais aplicáveis ao contrato de trabalho e à administração.

Por Eduardo Henrique Marques Soares e Talita Harumi Morita

Continue Reading

Copyright © 2023 The São Paulo Times