
O polifacético Lewis Carroll
O tipo de livro que eu fujo como o diabo da cruz é aquele que faz listagem do que você deve conhecer. Gênero “os X livros que você precisa folhear antes de fenecer”. São proposições parciais, que, na sua quase totalidade, deixam de fora quem deveria figurar lá dentro.
Curiosamente, tais obras nunca mencionam Lewis Carroll. Não sei se é porque o autor é tido como criador de livros infantis – o que é uma meia verdade – mas o fato é que quase nunca ele está entre os eleitos pelos críticos.
Lewis Carroll não é apenas aquele cara que o Tim Burton fez um filme chamado Alice no País das Maravilhas baseado numa história dele. Nem é só aquele pastor anglicano sobre o qual parece só se saber falar que curtia fotografar ninfetas.
É muito pouco para o artista do período vitoriano que praticamente deu o pontapé inicial ao nonsense na literatura, juntamente com Edward Lear.
Reli recentemente Alice e me encantei com a maneira pela qual Carroll consegue criar um material que conversa com a criança e, ao mesmo tempo, um subtexto que fala com o adulto. E as entrelinhas que chegam até os mais velhos são extremamente críticas.
Como a rainha que pede, a todo instante, que se decapite a cabeça de algum súdito. Ou toda a construção da linguagem que, para os pequenos, têm um efeito quase de folguedo. E, para nós, os crescidinhos, um sentido violentamente trangressivo.
Ao que parece Lewis Carroll sofria de insônia e durante as longas noites em que não conseguia dormir, entretinha-se a formular problemas lógicos divertidos,construir jogos de palavras e adivinhas.
Um dos exemplos, retirado do livro de Martin Gardner, “The Universe in a Handkercheif, Lewis Carroll’s Mathematical Recreations, Games, Puzzles, and Word Plays”, é este:
“Qual dos relógios registra o tempo mais fielmente? Um que se atrasa um minuto por dia ou um que não funciona?
Solução:
O relógio que se atrasa um minuto por dia dá a hora exata de dois em dois anos, pois como se atrasa um minuto por dia só voltará a estar certo depois de se atrasar doze horas, o que só acontece ao fim de 720 dias.
O relógio que está parado está certo duas vezes em cada 24 horas.
Por isso, o relógio que melhor registra o tempo é o que está parado.”
Como podem notar, Carroll era mesmo um polifacético. Seria muito justo se a Cosacnaify imprimisse urgentemente mais uma fornada de três mil exemplares da edição de luxo de Alice no País das Maravilhas. E por que não aproveitar e já editar também todos os outros títulos do notável reverendo Charles Dodgson?
Eu seria o primeiro a ir para a livraria comprar.
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Carlos Castelo. Escritor, letrista, redator de propaganda e um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. © 2014.