
O que faltou dizer
Faltou dizer o que parecia não ser preciso dizer. Que sua ausência deixaria a vida assim, faltando. Faltou dizer que eu não sabia que fosse ser assim, tão de repente.
Faltou dizer tanto, não porque não houvesse vontade, mas porque a vida, a vida é isso mesmo, fazer o quê? Faltou dizer porque faltou tempo. Tempo. A última desculpa quando qualquer outra falta.
Faltou madrugada como aquela da minha chegada de viagem, trazendo pão duro e vinho. A luz fraca, os silêncios, de vez em quando canto de curiango e sapo. Como se conversou madrugada adentro.
Faltou dizer por favor, faltou dizer não precisava. Faltou dizer obrigado, por tudo, até por essa verruga sob a axila, que estava em você, está em mim e continua no meu filho. A verruga nunca faltou.
Faltou dizer que você faria falta. Fraco jogo de palavras, mas pura verdade. Talvez tenha faltado ainda mais vinho. Descascar mais lima cheirosa na sombra. Pegar jatobá do chão, abrir a fruta com seu canivete e sentir seu cheiro ruim. Discutir mais futebol, faltou. Drummond. Um dia a mais que fosse, faltou muito.
Não faltou foi sua explicação de matemática. Agora é que falta, como explicar à minha filha quando me falta o entendimento de matemática?
Não faltou adeus, ao menos isso. Você só me esperou chegar de viagem para sorrir (ou estou faltando com o juízo?) e faltar de vez.
Faltou discussão. Entender-se menos. Umas ofensas brabas vez ou outra. Talvez isso tenha faltado: odiar você um pouco.
Faltou dizer da vergonha – pouca, mas que hoje sinto tão maior – que eu sentia por você não ser forte nem bonito nem rápido nem rico nem bom motorista nem ter fôlego.
Faltou dizer que eu nunca seria corintiano ou oftalmo. Que eu nunca conseguiria tocar a loja, você logo percebeu. Mas que sempre haveria Baden com Vinicius. Ou Chico Viola. Ari. Elisete.
Falta avistar os cabelos tão brancos no banco de uma igreja no Interior e sentir paz. Talvez alisar um pouco esses cabelos, sem pressa, nem vergonha alguma, não, não agora, apenas sentir um imenso orgulho, talvez até lhe fizesse tirar um cochilo.
Faltou nada. Agora é que falta.
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Cássio Zanatta é natural de São José do Rio Pardo, o que explica muita coisa. Escreve crônicas há um bom tempo – convenhamos, já estava na hora de aprender. © 2014.