
Olhar torto
Assisti a um pequeno trecho do filme “Janela da Alma”, documentário que relata e discute a vida e a experiência de pessoas com alguma deficiência visual. Em um dos casos, a senhora, cega de um olho, lembra da forma como sua mãe se relacionava com ela na infância, em tom de dó e lamúria, e lembra do sonho de querer ser a princesa no teatro na escola, como sua irmã, o que não aconteceu.
Aí lembrou da cirurgia que fez já adulta para corrigir o desvio de um dos olhos (ela também era vesga) e o quanto ficou feliz por terminar, pelo menos, com aquela deformidade. Ao chegar ao trabalho, ninguém notou. Percebeu que aquilo era um trauma interno. Um incômodo dela, só dela. A deformidade estava sim no seu olhar, de como enxergava a vida, e não como seu olho deixava de ver.
Fácil se entender assim, “em conformidade”, tendo alguma deficiência física? Nem um pouco. Nem o lado de quem é como o de quem não é. Como tratar da mesma forma alguém que parece precisar de você a todo instante? Não se dá a liberdade ao deficiente de crescer quando só olhamos para o “detalhe”, aquilo que o torna diferente da massa.
E para quem tem alguma deficiência física, abstraí-la é tarefa difícil quando para viver a vida fora da gaiola tem que se encarar a possibilidade de olhares tortos de quem acredita ter plena visão. Buscar a vida do lado de lá da porta de casa, procurar emprego, fazer amigos e conquistar um amor – e ter plena consciência de que todas as conquistas se deram pelo que se é como um todo e não pela vírgula que os outros te definem. Pela inteligência, pelo estudo, pelo sorriso e capacidade de sentir, de conversar, trocar ideias. Do carinho que se ganha e que se dá. Pelo ser humano que se é.
É o olhar torto da sociedade que é deformado e transforma pessoas deficientes em seres especiais pela condição em que estão. Algumas aceitam esta condição e se lamentam. Outras usam isso a seu favor. Mas há um grupo que vê no todo a sua capacidade humana.
Estas pessoas tem as mesmas potencialidades de serem transformadores sociais, de se destacarem no mercado de trabalho, de sonhar e de realizar. É preciso que olhem para si mesmas e batalhem além do habitual, não há dúvidas. Mas, por favor, não enxerguem menos do que podem ver. A começar por não aceitarem o olhar piedoso de quem acredita ter mais potencial de ver a vida do que você.
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Camila Linberger é relações públicas, sócia-diretora da Get News Comunicação, agência de comunicação corporativa e assessoria de imprensa sediada em São Paulo. © 2013.