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Os males da metanfetamina são um produto da espetacularização midiática?

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Toda a “epidemia de metanfetamina” talvez não seja tão ruim como se pensava.

Quando o psicólogo da Universidade de Columbia, Carl Hart, verificou os dados por trás da narrativa da mídia sobre o uso da metanfetamina, alguns dos pressupostos mais comuns – a ideia de que a metanfetamina provoca transformações físicas horríveis, é instantaneamente viciante e é especialmente prejudicial para o cérebro – pareceram com poucas evidências. Em um novo relatório para a Open Society Foundations – um grupo criado pelo filantropo George Soros – Hart faz comparações entre o discurso da mídia atual sobre a dependência da metanfetamina e a histeria sobre o crack que se instaurou na década de 1980 e 1990.

“A literatura científica sobre a metanfetamina é repleta de conclusões injustificadas, que forneceu combustível para a implementação de políticas de drogas draconianas as quais exacerbam os problemas enfrentados pelas pessoas pobres”, disse Hart.

Ainda que o mercado de metanfetamina esteja aumentando, ela nunca foi a droga mais amplamente utilizada. Em seu auge de popularidade, não havia mais de um milhão de usuários da droga nos EUA, Hart escreve. Naquela época, os EUA também abrigavam de 2,5 milhões de usuários de cocaína e 15 milhões de usuários de maconha.

As propagandas populares “Metanfetamina: nem sequer uma vez” também significam que a droga é instantaneamente viciante, mas a melhor informação disponível sugere que menos de 15 por cento de todas as pessoas que já usaram a droga tornaram-se viciados. Há pouca evidência empírica, inclusive, de que a metanfetamina cause deformidades físicas, segundo Hart.

Os dentistas relatam alguns casos individuais de doenças na gengiva causadas pelo uso de metanfetamina, mas ainda não houve nenhum grande estudo controlado que tenha colhido um percentual de usuários de metanfetamina que desenvolveram problemas dentários.

“As mudanças físicas ocorridas nas representações dramáticas de indivíduos antes e após o uso da metanfetamina são mais provavelmente relacionados com maus hábitos de sono, falta de higiene dental, má nutrição e sensacionalismo da mídia”, defende Hart.

Os usuários de metanfetamina também podem ser moradores em situação de rua ou ter condições médicas não tratadas, os quais são outros fatores que possam contribuir para uma deterioração da aparência física.

As primeiras páginas dos jornais são felizes por divulgar estudos que mostram os danos cerebrais após o uso da metanfetamina em longo prazo, mas Hart considera falhos muitos desses experimentos.

Um estudo coberto pelo jornal The New York Times em 2004 usou imagens para comparar os tamanhos dos cérebros de viciados em metanfetamina e cérebros saudáveis de não usuários, e concluiu que a metanfetamina prejudica a memória.

Enquanto o estudo constatou que as partes do cérebro dos usuários de metanfetamina foram de 8 a 11 por cento menor do que os dos não usuários, os pesquisadores não recolheram quaisquer dados sobre os usuários antes de começarem a tomar metanfetamina – tornando-se assim praticamente impossível provar a metanfetamina sozinha foi a causa das diferenças cerebrais. Os não usuários de drogas também tinham um grau de escolaridade significativamente maior do que os usuários de drogas.

O vício “certamente não é uma doença do cérebro, como a doença de Parkinson ou doença de Alzheimer”, Hart declara. “No caso dessas doenças, pode-se analisar o cérebro de indivíduos afetados e fazer boas previsões sobre a doença envolvida. Estamos muito longe de sermos capazes de distinguir o cérebro de um viciado em drogas do de uma pessoa que não usa entorpecente”.

Os esforços para conter o abuso de metanfetamina já refletiram alguns dos criticados movimentos da era crack, como as sentenças mínimas obrigatórias, acusadas ​​de aumentar dramaticamente a população carcerária dos EUA – e criar um padrão racista que puniu os usuários de crack, em grande parte afro-americanos, mais severamente que os usuários brancos, na maioria usuários de cocaína.

“Levou quase três décadas para o público chegar a um entendimento superficial que os efeitos do crack foram muito exagerados na mídia de massa e nas declarações do governo. Os custos monetários e humanos de nossos equívocos anteriores sobre o crack são incalculáveis”, Hart finaliza.

(C) 2014, IBTimes.

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