Neste momento, há vinte anos atrás, as ruas de Kigali, capital da República Ruandesa, localizada na região dos Grandes Lagos africanos, estavam repletas de corpos e mutilações de civis. Uma guerra étnica fora planejada e seu objetivo final consistia na aniquilação da população de origem Tutsi e todos que se opusessem ao projeto de dominação da etnia dos Hutus.
Conhecido como o Genocídio de Ruanda, principalmente por conta do filme Hotel Ruanda (2005), o massacre de aproximadamente 1 milhão de pessoas no ano de 1994 ocorreu por conta da politização étnica que vinha sendo praticada no país desde os tempos da colonização belga, em 1916. Primeiramente, os belgas privilegiavam os Tutsis, favorecendo-os com poder político, econômico, status social e abastecendo-os com armas. Posteriormente, os Hutus foram eleitos para tomarem o lugar destes. A estratégia consistia ali de aguçar rivalidades locais para fins de dominação, atentando para o enfraquecimento de ambas as tribos e visando a manutenção do poder belga sobre a região.
A instrumentalização de questões religiosas, étnicas e culturais como objetos de exploração política não surgiu com a colonização de Ruanda. Em muitos outros casos, como o foi a colonização britânica da Índia, rivalidades locais foram usurpadas e transformadas em mecanismos de manipulação e dominação por estrangeiros. Além disso, intervenções de países estrangeiros e a negligência da Organização das Nações Unidas em agir frente as evidências de um homicídio em massa prestes a acontecer.
Ao que parece, à época do homicídio em massa, o desinteresse da comunidade internacional para com Ruanda e outros países da África era mínimo, e permanece o mesmo até os dias de hoje. A bem da verdade, durante séculos os países africanos sofreram incursões que alteraram para sempre sua trajetória política e econômica. Em busca de mão de obra escrava, riquezas minerais e destinos exóticos, Ruanda teve sua história modificada por soluções importadas e incompatíveis com seu estado natural de coisas.
Até os dias de hoje, os ruandeses sofrem com as consequências das clivagens culturais que foram acirradas no seio de sua sociedade por fatores externos. Um Estado robusto, com instituições insuladas contra apropriações autoritárias ainda não foi capaz de surgir. As eleições são comumente circundadas por indícios de repressão, manipulação midiática e assassinatos de políticos. Líderes oposicionistas como Victoire Ingaribe são presos e condenados. Tudo isso como parte de uma herança indesejada, de agentes que por lá passaram, expropriaram as riquezas do país e arruinaram o equilíbrio sociocultural existente.
O Tribunal Penal Internacional para Ruanda ainda está em andamento, e diversos responsáveis pelos crimes cometidos durante o genocídio são julgados e, muitas vezes, condenados. Resta, contudo, os aspectos que não são julgados, que referem-se à conjuntura instável e o legado cultural deixados aos ruandeses por seus colonizadores. Estes não foram julgados, e são os principais responsáveis pelas assimetrias políticas e sociais persistentes no país.
Por Luiz Renato Nais