
Politicamente correto
Era uma vez um gordo gay e surdo-mudo. Ele era filho de pai judeu e mãe nordestina. Um belo dia, ele se apaixonou por um negão cego e eles foram felizes para sempre. Aposto que a essa altura, já deve ter um monte de gente me chamando de preconceituoso. Mas eu só contei uma história de amor. Se você acha que chamar alguém de gordo, surdo-mudo, gay, judeu, nordestino, negão ou cego é ofensivo, o preconceituoso aqui é você.
Uma vez eu postei uma piada no Facebook sobre um gay que adorava pinto. Aí um monte de gente me chamou de homofóbico. Mas peraí, gay gosta de que? De brócolis? Gente: não é ofensa nenhuma falar que o cara gosta de pinto. Agora, quando uns playboyzinhos espancam travesti na rua, eu não vejo ninguém se mexer pra botar essa gente na cadeia. Quer dizer que fazer piadinha ingênua não pode. Mas cobrir de porrada tá liberado, né?
Teve uma vez também que eu postei uma piada sobre deficiente físico. E um cara, que não me conhece e não sabe que eu mesmo sou deficiente físico, escreveu assim: você não deveria falar assim dos deficientes. Você não faz idéia de como é a realidade um deficiente… (pausa) Ah, eu não sei? Então quem é que sabe? A sua mãe? Aquela deficiente nas pregas?
Olha aqui, parceiro: se tu quer realmente ajudar os deficientes, então ajude a gente batalhar por mais elevadores, mais calçadas rebaixadas nas ruas, mais ônibus adaptados… Ah, mas aí dá trabalho, né? É mais fácil ficar xingando quem faz piada do que fazer alguma coisa que a gente realmente precisa.
Por isso que eu acho que politicamente correto é um bando de gente preguiçosa e que não tem mais o que fazer. Aliás, qualquer coisa que comece com a palavra política tem grandes chances de ser picareta. A gente podia até trocar o nome para picaretamente correto. Ficou bom? Não? Ué, não são vocês que gostam de mudar o nome de tudo?
Por exemplo: afro-descendente. Meu Deus do céu, qual o problema com a palavra negro? Por um acaso você chama uma pessoa loira de germano-descendente? Ou um japonês de piroquinha-descendente? Não, né?
Outra que me irrita muito: chamar deficiente de portador de necessidades especiais. Por favor, minhas necessidades são iguais a de todo mundo. Não têm nada de especial, não. Ou cê acha que meu cocô tem cheiro de perfume francês?
Se dependesse do politicamente correto, o mundo não teria piada, nem palavrão, nem sexo, nem gargalhada, nem álcool e nem gordura trans. A gente viveria dentro de um power-point de auto-ajuda cercado de fotos de paisagens e coelhinhos por todos os lados e com uma música do Kenny G tocando em looping eterno até fazer ferida nos nossos ouvidos.
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José Luiz Martins. Humorista, publicitário e roteirista. Sócio da empresa Pé da Letra, de criação e produção de conteúdo. © 2014.