
COMO PÉROLAS
Hoje acordei completamente sem voz. E isso me remeteu ao início da década de 80, quando eu tinha uns quatro ou cinco anos. Lembro que um dia eu acordei e fiquei muda. Minha mãe me perguntava algo e eu só fazia que sim ou não com a cabeça. Até que ela perguntou o porquê daquilo e eu respondi, rapidinho: “É pra não acabar a minha pilha”! Lembro de tentar adivinhar onde trocava a minha pilha, e não achar o lugar, de pensar que tinha que durar a vida toda. Aí minha mãe comentou: “Você não é de pilha como a boneca, pode falar à vontade”!
Danou-se! Falo demais até hoje. Meus parentes e amigos que o digam! Tive a manha de conhecer uma grande amiga na fila do check-in, indo para Santiago, por isso. Bem, porque ela, como eu, fala pouco também!
Mas me pus a refletir sobre isso: como pensamos realmente apenas de acordo com o que temos conhecimento, como restringimos nossa visão desde cedo e sempre se não nos treinarmos a nos abrirmos para o mundo. Na minha visão infantil, se a minha boneca precisava de pilha para falar, a “boneca” da minha mãe também. E se ela, como fator externo, não tivesse me dito, teria vivido sei lá quanto tempo – de horas a dias, angustiada (certamente), medindo palavras, emudecida.
Por isso é tão importante sairmos de dentro da concha e nos tornarmos pérolas. Por isso também, é bom não acreditarmos nas nossas verdades como sendo únicas. Conhecer o mundo lá fora nos dá um valor interno e externo imensurável. Nos mostra, mais do que somos, em quem podemos nos tornar. Nos amplia, nos cresce, nos enobrece. E o ideal é não nos envaidecermos pela gama de informações que temos ou adquirimos, nem as transformá-las em grandes tesouros ou cartas na manga para parecermos superiores aos outros. O ideal, na verdade, é internalizá-las, digeri-las, realmente consumi-las e fazer com que nos tornemos pessoas melhores, não só para o mundo, mas, principalmente, para nós mesmos.
Ainda estou sem voz, e hoje o ensinamento para mim, que “falo pouco”, é grande: o convívio com o silêncio forçado, não aquele que se deseja, mas o que se impõe. E as palavras vêm, são escritas, emolduradas em textos sobre a ausência do meu próprio som. E ouço assim o mundo de outra forma, sem pilhas, sem estar pilhada. Um ensinamento discreto como a pérola, que depois de sair da concha e ser tratada, dá seu toque e adorna com elegância, pessoas e mentes brilhantes nas melhores ocasiões.
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Camila Linberger é relações públicas, sócia-diretora da Get News Comunicação, agência de comunicação corporativa e assessoria de imprensa sediada em São Paulo. © 2013.