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Se não correr é que o bicho pega

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CassioZanata

Se não correr é que o bicho pega.

Ultimamente tem sempre alguém andando mais rápido do que eu. Não sei se posso dizer por você, por mim posso e digo. Caminhar na rua já beira a humilhação. Por mais pressa que eu ponha no passo, é inútil: tem sempre dois pés mais rápidos que os meus.

Talvez eu esteja só ficando mais lento. É a idade. Pode ser. Não, não pode, não tenho idade para que seja a idade. Acho que a turma é que anda muito apressada. Em São Paulo, a pressa é um vírus que se alastra rápido. Até quem não tem horário nenhum a cumprir, quando vê, está correndo, para chegar depressa nem sabe aonde, menos ainda para quê.

Quando eu apresso o passo e penso estar abafando, logo surge uma sombra crescente. Ponho mais ritmo à passada, que não sou homem de me deixar ultrapassar assim fácil, não, senhor. Mas a sombra cresce, se agiganta, até passar por mim como uma Ferrari passaria por um DKW. Embora eu seja mais o DKW, sempre fui, com seu motor de dois tempos e sua lengalenguice. Criança, só fui andar aos dois anos. Só resolvi falar aos três. Dirigir carro, aos 26. Sempre fui um DKW. E tome ultrapassagem.

Ano passado levei a família para andar de trem. Uma maria-fumaça do século passado. Escrevi século passado e me esqueço de que 1890 já é século retrasado. Do século passado sou eu. Até o tempo anda mais rápido do que eu.

Voltemos à maria-fumaça. (Ia escrever “voltemos rápido” mas seria um contrassenso). O que mais me impressionou foi a total ausência de pressa. Como a bichinha avançava devagarinho, como o próprio tempo parecia ser outro. Hoje se vai de trem-bala em poucos minutos, mas põe menos minuto nisso. Por outro lado, também não se vê o abanar das orelhas das vacas, as corridas curtas das galinhas e as molecada acenando nas janelas. Mas afinal, quem está interessado nessas coisas, tirando um sujeito devagar feito eu? É o sinal dos tempos, fazer o quê? No andar da carruagem (péssimo exemplo), eu é que não vou ficar aqui fazendo apologia da lentidão, que os dias são de ter pressa.

Aliás, leitor tartaruga: que fazes perdendo tempo com essa maria- fumaça dos textos, esse teco-teco das crônicas, DKW das letrinhas, que segue lentamente, aos tropicões e sem chegar a lugar algum?

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Cássio Zanatta é natural de São José do Rio Pardo, o que explica muita coisa. Escreve crônicas há um bom tempo – convenhamos, já estava na hora de aprender. © 2014.

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