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8 anos agoon
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“Seres humanos não escolhem o que sentem. Se escolhessem, toda mulher escolheria amar alface e odiar chocolate.”
Semana passada eu fiz um post (foto) com esta frase. Foi tão curtido e compartilhado que resolvi expandir o comentário neste artigo.
Pessoas escolhem e decidem (até certo ponto, talvez) o que fazer a respeito do que sentem. Isso é um fato. Mas escolher o que sentem, não é algo realmente humano. Quantas vezes você já ouviu alguém dizer que “se apaixonou pela pessoa errada” ? Quantas vezes, numa reunião formal na qual todo mundo deveria ser bem sóbrio, alguém simplesmente deixa escapar uma expressão ou um comentário que vai prejudicá-lo, e até mesmo já sabe disso?
O sentimento não se escolhe. Sente-se e pronto. Aliás, o sentimento é “reconhecido” pelas suas expressões – sejam externas ou internas; porque nem sempre a pessoa deixa escapar no mundo aquilo que leva por dentro. Mas o próprio conceito de “reconhecer” – ou seja, conhecer de novo, implica na idéia de passado: reconhece-se o que já foi sentido. Exatamente esse é o ponto: já foi.
A partir daí, o indivíduo vai ter de escolher, decidir e agir (ou não agir). Mas o sentimento já aconteceu, ao menos dentro dele. E é desta escolha de como lidar com o sentimento que nasce um dos maiores problemas da nossa sociedade, e um dos maiores causadores de depressão e distúrbios psicológicos e psicossomáticos: se o indivíduo escolhe reconhecer o sentimento e agir de acordo com ele; vai agir de um modo “integral”; ou seja, todo o seu ser vai estar coerente e alinhado com seu sentimento. Só que muitas vezes isso exige enfrentar consequências sérias no mundo. Seja a perda de uma amizade ou um relacionamento; seja o afastamento de alguém ou de um lugar; seja deixar um trabalho. Exatamente porque alguns desses desafios podem parecer muito grandes é que as pessoas muitas vezes escolhem não agir de acordo com o que sentem. Quando isso acontece, nasce uma ruptura, uma cisão. A partir daquele ponto, o indivíduo age em desacordo com seus sentimentos; segue trabalhando em algo que não acredita mais; continua num relacionamento que não o faz feliz; frequenta (e paga!) um curso que não é mais do seu interesse. Isso dá origem a uma “fragmentação”. Porque, seja no trabalho, no curso ou no casamento, para sustentar “a coisa” funcionando, em desalinho com seus sentimentos, ele vai precisar “esconder” seus sentimentos. Quando, por mecanismos inconscientes ele “esconde” essa “fratura” até de si mesmo, o indivíduo começa a ficar irritado (aparentemente sem motivo), tende a fugir da situação e arrumar desculpas para não estar presente (conhece gente que foge da família passando a vida no trabalho?).
Seja qual for o mecanismo de fuga, vai precisar criar distrações ininterruptas para nunca ter de encarar o fato de que está onde não queria estar. Já quando age de modo consciente e esconde essa fratura “apenas” dos outros, passa a viver, conscientemente, uma mentira. O indivíduo sabe que não quer aquilo (seja o que for); mas não se permite lidar com as dificuldades práticas de “sair daquilo”.
Consciente ou inconscientemente, a partir dessa ruptura, o “abismo” entre o que o indivíduo É e aquilo que ele FAZ vai se ampliando e; como alguém que mantém um pé de cada lado de um fosso que se abre, o equilíbrio torna-se cada vez mais difícil. Muitos desenvolvem depressão; outros desenvolvem doenças de origem somática (há quem questione se de fato exista alguma doença que não tenha origem somática – ou seja, nos sentimentos), outros desenvolvem diversos tipos de “distrações” e fugas, entre elas o uso de aditivos químicos, legais ou não.
Toda forma de fuga serve apenas para adiar o confronto. Qual confronto?
O seu confronto com você mesmo. Adiar o momento em que irá finalmente parar, pensar, meditar, silenciar – para ter a chance de trazer à tona, de fato, o que sente; e começar a lidar com isso. Uma vez que se permita olhar, poderá ver. Uma vez que veja, poderá entender; ou ao menos começar a entender. E só então, quando começar a entender, poderá trazer alguma solução para o sofrimento.
A tragédia moderna é que a sociedade prefere aqueles que destróem a si mesmos; contanto que mantenham-se “plenamente operacionais” do que aqueles que, para realizar esse mergulho com alguma profundidade, precisam parar; ou no mínimo, desacelerar.
A tragédia moderna é que a sociedade do consumismo desenfreado prefere impingir a todos a maior velocidade, a maior ocupação, o maior frenesi, o maior barulho e distração possíveis. No fundo, porque desse modo, quando a pessoa se der conta do que está acontecendo, ela já estará no fim: seja no fim da vida; seja no fim da linha, seja no fim da capacidade de “funcionar” normalmente. Como todos sabemos, o único interesse de uma sociedade radicalmente consumista é, justamente, o consumo; inclusive dos consumidores. Porque quando aquele consumidor estiver devidamente esgotado, será descartado com o mínimo de perda; sem dificuldade: haverá uma nova leva em preparação, inclusive aqueles futuros consumidores criados e modelados pelo exemplo que veio antes e foi descartado.
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Paulo Roberto Ramos Ferreira é Coach e Terapeuta Transpessoal; Membro da ONG Terapeutas Sem Fronteiras e Conselheiro do Nikola Tesla Institute e autor do livro O Mensageiro – O Despertar para um Novo Mundo. © 2015.