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Somos todos Sebastião Salgado

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CarlosCastelo

Somos todos Sebastião Salgado

Com o smartphone e o Instagram estamos nos tornando seres fotográficos.

Um adulto hoje, em média, faz mais fotos em um dia do que seu avô faria em 17 anos. E se contarmos os registros irrelevantes –  cliques desfocados, fotos de números de vagas em estacionamentos de shoppings ou retratos de gente pelada conferindo a celulite – o número dobra.

Imagina-se que, daqui a uns 100 anos, não haverá mais lugar para armazenamento de tantos fotogramas de cães, gatos e pores-do-sol.

É de se supor também que alguém esteja querendo se aproveitar, de alguma maneira, de todo esse material chinfrim para obter poder político. Algo como a Al Qaeda desenvolvendo um programa para escanear todas as fotos de pratos à base de carne de porco para lançá-las, de surpresa, sobre Israel gerando pânico e instabilidade social.

Obviamente, isso tudo pode ser um delírio. Mas uma coisa é certa: não está distante o tempo em que presenciaremos situações como estas.

– Luiz Marcelo, o que foi que a mamãe falou sobre as refeições?

– Ah, mãe, não lembro.

– Luiz Marcelo, antes de eu te dar uma cintada, vou te lembrar: durante as refeições faz o quê?

– Come de boca fechada.

– Presta atenção, Luiz Marcelo. A mamãe vai repetir: durante as refeições faz o quê?

– Ah, tem que tirar foto do prato!

– Aí sim, meu garoto. Escapou da cinta!

Nenhum setor da sociedade ficaria alheio ao novo modo de ser fotográfico. Inclusive o departamento religioso.

–  Eu, Rosineide, recebo-te por meu esposo, Alfredo, e prometo ser-te fiel,
amar-te e fotografar-te,
na alegria e na tristeza,
na saúde e na doença,
todos os dias da nossa vida.

– Que o homem não separe o que Deus fotografou…os noivos podem fazer o selfie…

E certamente todo este interesse imagético influenciaria até mesmo a tradicional e vetusta Medicina.

– A glicose está um pouco alterada. O senhor vai precisar fazer academia de fotografia. Daqui a três meses volte e me mostre o que clicou.

– E se não melhorar?

– Aí o tratamento precisaria ser mais agressivo. O senhor teria que criar um fotoblog e, durante um ano, fotografar somente um tema. Por exemplo: dedões do pé.

E, finalmente, as entrevistas de trabalho também não deixariam de ser influenciadas pela mania mundial de criar imagens ruins.

– Tem quantas fotos no Instagram?

– 17 mil.

– Hummm, bem acima da média.

– 14 mil de cristas de galo, minha especialidade.

– Um candidato ao emprego aqui só fotografava cacatuas, mas cristas de galos é bem mais criativo, parabéns. Usa algum aplicativo pra retocar as fotos?

– Instaseed.

– Plus?

– Não, o Premium. Tem mais funções.

– E filtros, algum que goste mais?

– Adoro o Texas Ranch.

– Texas Ranch? Esse eu não conheço…

– Saiu agora, deixa o preto branco mais colorido. Tem pra iPhone e Android.

– É mesmo? Se incomoda se a gente interromper a entrevista um minutinho pra eu baixar no meu? Ah, mas o emprego é seu…

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Carlos Castelo. Escritor, letrista, redator de propaganda e um dos criadores do grupo de humor musical Língua de Trapo. © 2014.

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