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Claro que a gente pode ir morar no Exterior, amor, mas

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Nesse caso, quem vai colher pitanga no quintal – vai ficar tudo para os tico-ticos e sanhaços? Quem é que vai secar o Corinthians? Onde mais ver casas com parede cor de rosa, terraço amarelo e janela verde, de onde uma senhora com cabelo roxinho fica espiando? Como viver sem Yakult e os lactobacilos vivos? Como resolver a fome atrevida que não respeita horário nem continente, se nas esquinas de lá não tem padaria nem pão na chapa nem broa nem média nem pão de queijo com café de coador, e como é que se vive sem pão de queijo, meu amor?

Dá pra viver sem assistir a uma pelada na praia em que o goleiro foi dar um mergulho e deixou o gol vazio e ninguém chuta no gol enquanto ele não volta, porque há limites para a falta de esportividade?

Diga se é possível abandonar o vendedor de loteria e o realejo à sua sorte. Os meninos que em 1° de janeiro pedem “ano bom” de casa em casa. O arrepio que dá de pensar que nunca mais a rosca da Padaria Tupy. Se me garantirem que lá o inverno triste tem seus dias de verão, e não só aquele solzinho inoperante, eu até penso no caso.

Mas como sobreviver a mais de 518 km de Minas Gerais, me diga?

De longe, é capaz da gente começar a não puxar papo com o jardineiro, a perder a paciência com vendedor ambulante, a aturar abacate na salada e, se bobear, até simpatizar com o Maradona; a ver encanto em jogos de dardos e tourada, até esquecer as coisas erradas do nosso país e deixar tudo como está, porque só com a gente vigiando bem de pertinho a gente pode mudar as coisas erradas do nosso país.

Só vou para o Japão se houver chá de hortelã e sushi de tilápia. Para a California, havendo bolo de fubá ou caipirinha de lima. Na França, crepe de goiabada. Na Inglaterra, se me garantirem que vou ter amigos de mesa de bar. Mas não vou ser rabugento: se por lá tiver borboleta azul (porque aqui tem, viu?), cabrito atravessando estrada de terra, queijo coalho na chapa, água de coco pra curar ressaca, capaz que eu admita a ideia. Não faço questão de feijoada, mas absoluta do retrato da vó Guiomar na parede.

Claro que dá para se sentir em casa lendo Bandeira e Drummond ou ouvindo Jobim e Caymmi. Mas se às 4 da tarde já está escuro, o entendimento de suas artes fica muito complexo. E como assistir a um jogo da Seleção se uns desavisados ficam aplaudindo impedimento?

Se com o sucesso da música brega-sertaneja e essa gente querendo a volta dos militares eu já me sinto meio estrangeiro e triste na minha terra, imagina sem estar na minha terra?

Vai doer no coração saber que não vou poder pegar o ônibus para Monte Alegre do Sul. Procurar a banca do Hélio pelo bairro e nada. A impossibilidade de usar havaianas em janeiro. Comprar banana não em cacho, mas por unidade. Não ter com quem trocar as figurinhas para completar o álbum da Copa. Deixar de ser acordado pela zoeira das maritacas. Mas vive-se com isso, havendo uma brisa vinda do mar, besta que seja mas que sempre é refresco, vive-se com isso.

Claro que a gente pode ir morar um tempo no Exterior, amor. O trânsito é civilizado, o respeito é maior, dá pra andar na rua às duas da manhã e as livrarias e bibliotecas são um paraíso. Mas já vou avisando: se não tiver cachorro de rua abanando o rabo pra gente, eu pego o primeiro bonde e volto.

 

 

 

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