Pura curiosidade
Só por curiosidade, eu gostaria de saber: como é ser tão bonita? Queria mesmo saber, qual a sensação de olhar-se…
Só por curiosidade, eu gostaria de saber: como é ser tão bonita? Queria mesmo saber, qual a sensação de olhar-se no espelho assim que acorda e só enxergar boniteza, mesmo com bafo na boca, remela no olho e marcas de travesseiro no rosto.
Como se sente ao chegar em uma festa e pausar a festa? Surgir encantadora, atrair os flashes, empacar as conversas, mesmo com um vestido francamente cafona? Capturar os olhares numa mera ida ao banheiro com a única intenção de urinar? Escolher a quem conceder ou negar um sorriso de esperança?
Como faz para reconhecer os que se apaixonam por poucos instantes e os que para sempre ficam cativos? Percebe a inveja das mulheres? Tem dó da absoluta impossibilidade dos feios? Você, que queria mesmo era ser admirada por dominar o mandarim.
Diga: você nunca se imaginou normal, só por um dia, para saber como é ter de mendigar admiração? Não se incomoda de ser um oásis improvável? Diante de um desaponto, de um engano, uma rejeição inesperada, já amaldiçoou sua beleza?
Como é causar inveja a uma rosa? Dor de cotovelo em uma estrela? Fazer um acorde de Satie querer ser outro? Derreter geleira e congelar vulcão? Fazer um poente passar despercebido?
Quantas perguntas, não? Será que passei do limite em que o curioso vira um chato?
Só uma última coisa, juro: ao descobrir o primeiro fio de cabelo branco, você encara com naturalidade? Ao constatar um sulco leve ao redor dos olhos, aceita na boa? Ou sobrevêm um arrepio, a certeza do inevitável, o mais puro e inevitável desespero?
Não fique assim. Sua missão de fazer brotar suspiros, nascer poesia, um sonho em plena insônia, foi cumprida. Sua beleza salgou o mundo. Sem você, diríamos só sobre revoluções, trânsito, disputa de pênaltis e o índice da bolsa.
Sua existência foi necessária. Tanto quanto a de uma onda, do escorpião, do abajur, da explosão ou da brisa que soprou no mato e secou nosso suor de tanto cansaço. Como os deles, seu momento aconteceu, pleno, perfeito.
Mas é inevitável que tenha que passar. Sobre todas as belezas, paira o tempo soberano, que seca as folhas, esmorece as tempestades, amarela as fotos. O tempo, o verdadeiro Deus. Essa persistente renovação da vida, que a tudo faz nascer, brilhar e murchar.
Muito bacana tudo isso. Mas a escrita não me respondeu, e eu continuo querendo saber como é ser assim, tão assustadoramente bonita. Só por curiosidade mesmo.
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