TEDxSãoPaulo: Idéias Empreendedoras
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8 anos agoon
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TEDxSãoPaulo: Idéias Empreendedoras
São Paulo teve dois eventos do TEDx em novembro; com apenas dez dias separando as duas datas e ambos lotados; provando que a fome de novas idéias e visões é cada vez maior. O primeiro evento, acontecido na Sala São Paulo no dia dezesseis teve cobertura do The São Paulo Times e o grande destaque foi a expressão da força feminina. O segundo aconteceu no dia 26, no auditório do MASP na Avenida Paulista. O tema “idéias empreendedoras” poderia sugerir falas mais frias; mas o que se viu foi uma abordagem completamente transformadora sobre o que é entendido como empreendedorismo nos dias de hoje.
O ponto central, permeando todas as falas, é que empreendedorismo hoje é sobre pessoas, sobre seres humanos. Primeiro, no sentido de quem empreende e busca um meio de realizar-se não apenas como profissional ou no sentido financeiro; mas, indo além, compartilhar idéias, riquezas diversas e desenvolvimento pessoal e social. Se há um sinal claro emitido pelas palestras do TEDx é que a visão do empresário ganancioso e egoísta, que pensa apenas em si mesmo e em seus lucros, é arcaica e não tem futuro nos negócios do século XXI. Segundo, no sentido de que os negócios, sejam quais forem, só fazem sentido quando orientados para atender as demandas e necessidades das pessoas, colaborar para uma sociedade menos doente e mais abundante.
Toda esta visão do empreendedorismo como uma via de expressão da compaixão, da empatia e da paixão humana pela realização é algo que está fortemente inserido na visão de mundo da curadora e organizadora do TEDxSãoPaulo: Elena Crescia tem um talento impressionante para enxergar além do óbvio e criar conexões absolutamente inusitadas. Se cada palestra tem um universo próprio, observar a dança de todos esses universos sucedendo-se sobre o palco dá uma ideia clara do alcance da visão de Elena: quando você acaba de ver um jovem empreendedor do morro carioca como Kayo Silvestre deixar o palco; que em seguida é ocupado pela tradicionalíssima Lúcia Whitaker Vidigal, (87 anos!), se percebe que muito além das diferenças representadas pelos dois extremos; há a visão de uma curadoria atenta à força da soma destes contrastes; sublinhando e destacando o que existe de mais verdadeiro no empreendedorismo, a autêntica vontade de deixar uma marca no mundo, independente de qual o ponto de partida.
O palco do TEDx, no auditório embaixo das colunas vermelhas que são o símbolo da cidade mais cinza ao sul do equador; recebeu uma decoração que era praticamente uma declaração de princípios: um jardim vertical criado pela paisagista e artista plástica Gica Mesiara fazia um fundo verde e vivo para as famosas letras sobre o palco, falando da necessidade de trazer o natural para o espaço urbano.
O primeiro bloco iniciou-se com os ótimos apresentadores Marcela Leal e Fabio Lins chamando um número de malabares; e já começa aí o dialogo do TEDxSãoPaulo com a realidade da cidade, trazendo para o auditório uma cena que vemos todos os dias, ali em frente, na Paulista e em outras tantas esquinas. A primeira apresentação ficou a cargo da compositora Sandra Melo, que talvez mais do que uma fala, fez uma performance. Primeiro, porque colocou a respiração da sala toda em outro nível, falando com uma calma e uma deliberada lentidão em flagrante contraste com o ritmo paulistano. Depois do estranhamento inicial; era visível a mudança de clima na platéia; e quando Sandra fez a parte seguinte de sua fala, sobre a diferença entre ouvir e escutar; realmente, estavam todos verdadeiramente escutando cada palavra; mergulhados num tempo diferente; mais amplo e mais largo, aquele tempo em que a atenção é mais inteira e plena, e onde a mensagem-síntese veio na forma de uma frase de Beethoven, o grande compositor que perdeu a audição; mas continuou compondo magistralmente: “A escuta verdadeira exige um silêncio interno”.
E assim o público estava pronto para escutar Alexandre Pellaes, fundador do 99jobs, explicar a transição entre os negócios centrados nas “coisas e processos”, do antigo cenário do trabalho; e um paradigma centrado nas pessoas, que segundo Pellaes começou a surgir nos anos 80, mas que ganha formas concretas de expressão a partir do final do século XX; com modelos de gestão que buscam integrar uma atitude produtiva com uma liderança humana, que estimula indivíduos alinhados aos propósitos do empreendimento a usar o trabalho como uma expressão da sua “relação com o mundo”. Em seguida, Taciana Abreu, intraempreendedora e voluntária do Yunus Negócios Sociais Brasil falou sobre a relação de amor e ódio para com as marcas e as corporações, indicando caminhos para realizar valores humanos e sociais como uma forma para transformar as empresas estando dentro delas; usando o potencial das organizações para mudar, de um paradigma negativo onde “a vida sustenta a economia”, para sua inversão positiva; onde a “economia sustenta a vida”; destacando inclusive a importância de realizar estas ações “de dentro” das empresas, num mundo onde menos de quatrocentas empresas controlam 70% dos recursos do planeta.
Taciana foi sucedida no palco por Loreley Fox, uma Drag Queen criada pelo publicitário Danilo Dabague. “Meu papel como Drag Queen neste palco é ser julgada, e assim acessar o outro.” Com esta postura de coragem, discorreu sobre os hipotéticos pensamentos de diversos integrantes da platéia em reação à sua presença, evidenciando preconceitos e visões por vezes tão profundamente arraigadas que as próprias pessoas não se dão conta do que pensam. Por fim; passando uma mensagem profunda sobre inclusão e aceitação das diferenças nos espaços de trabalho; nas empresas; no mundo empreendedor. Pelo carinho demonstrado pelo público ao aplaudi-la de pé; parece que a mensagem de Loreley atingiu em cheio os corações.
O primeiro bloco foi fechado por Natalia Leite, jornalista e criadora da Escola de Você, uma plataforma de educação internacionalmente premiada por levar autoconhecimento de forma simples, direta e efetiva para pessoas que muitas vezes sequer saberiam por onde começar esta jornada. Um trabalho verdadeiramente relevante, que atinge milhares de pessoas em todo o Brasil com sua mensagem positiva na qual “ativar virtudes faz muito mais pelo mundo do que apontar defeitos”.
O segundo bloco foi aberto por Kayo Silvestre, empreendedor da comunidade carioca de Manguinhos, que realizou uma completa mudança de vida a partir da decisão de largar um emprego fixo e empreender criando um carrinho de venda de yakissoba nos bailes funks da sua comunidade; tendo como diferencial um atendimento exclusivo, criado a partir da própria personalidade vibrante e performática do seu fundador. Kayo terminou sua fala atendendo aos pedidos do público para que dançasse no palco do TEDx. E ele dançou, complementando com sua expressão corporal a verdade de sua personalidade: dançou com a autoridade e leveza que fez lembrar James Brown, realizando a própria expressão de alguém que, contra todas as probabilidades do meio, sabe da extensão do espaço que pode ocupar no mundo quando ignora ideias encaixotadas e pré-concebidas para viver a sua verdade com vontade e dedicação.
A transição para a fala seguinte, de Lúcia Whitaker Vidigal, de tradicionalíssima família paulistana, foi um dos pontos onde o contraste destacou ambas as falas. Antes da fala, o público assistiu um vídeo que mostrava Lúcia fazendo esqui aquático com uma desenvoltura sensacional. Como as imagens não mostravam sua figura de perto, Lúcia chocou o público ao dizer: estas imagens foram gravadas no mês passado. O que se seguiu foi uma aula de vida e vontade de fazer a diferença no mundo, independente do papel que cada um tenha; colocando em questão; inclusive; o quanto ainda existe de preconceito na sociedade para com escolhas como criar dez filhos e uma família com 20 bisnetos; o que não impediu que Lúcia trabalhasse por décadas na TV Cultura e capitaneasse diversas iniciativas de solidariedade social. E a diversidade teve outro momento de glória, ao ver aplaudidas de pé no mesmo auditório a ex-presidente da liga das senhoras católicas e o representante da cultura do morro carioca.
A psicóloga Débora Noal trouxe ao TEDxSãoPaulo a experiência de conhecer dores e realidades diversas através da Organização Médicos Sem Fronteiras; e emocionou com os relatos da luta por um sistema de saúde mais digno e da humanidade de cada um sendo desafiada em seus limites pelas guerras, desastres e violências étnicas.
Em seguida, o fenômeno de viralização recente, o empreendedor e escritor Gustavo Tanaka, cujo texto “Há algo de grandioso acontecendo no mundo” (um texto de quase 6 páginas) alcançou mais de meio milhão de leitores no mundo, semanas antes do lançamento do seu livro “11 Dias de Despertar”. Gustavo compartilhou sua vivência desde um ponto dramático onde sentia que toda sua vida havia “dado errado”; a jornada interior que fez durante os “11 dias”; e os novos rumos tomados depois deste despertar, que o levaram a criar um empresa livre e horizontal, onde todos trabalham com absoluta liberdade de decisão individual e não existe hierarquia, mas colaboração e compartilhamento dos resultados, onde todos ganham igual e tudo acontece com base na palavra e na confiança; na talvez mais explícita palestra que se pode fazer sobre o que é uma ideia empreendedora absolutamente disruptiva; especialmente no destaque que deu à ideia de que precisamos nos desvencilhar do condicionamento à competição; tão forçado desde muito cedo, para aprender verdadeiramente a colaborar.
A visão de colaboração e entendimento permeou também a fala do argentino Jonathna Berezovsky; fundador da Megaflix, uma empresa social que auxilia imigrantes estrangeiros a encontrarem ou criarem no Brasil atividades remuneradas e geração de renda com base nas suas características e diferenciais culturais. Ele próprio um imigrante, viveu experiências diversas fora de seu pais e defendeu a ideia de que, de um modo ou de outro, somos todos imigrantes, o que torna completamente inadequada a visão do imigrante como “ameaça”; quando na verdade há oportunidades de crescimento e desenvolvimento trazidas e geradas exatamente pelas diferenças.
Em seguida, a imigrante Sírio Talal Al-Tinawi voltou ao palco do TEDxSãoPaulo (ele já havia falado no evento do dia 16) como que para mostrar na prática as idéias de Berezovsky: tendo deixado Damasco, na Síria, em função da guerra que destrói seu país, Talal, que era um comerciante com uma rede de lojas naquela cidade, trouxe sua família para longe da sombra da guerra; e começou tudo de novo, utilizando justamente a riqueza das diferenças culturais: a partir dos elogios à culinária Síria criada por sua esposa para a festa de aniversário de sua filha mais nova (nascida no Brasil), a família criou um restaurante especializado em cozinha síria. Num dos momentos mais tocantes do evento, Talal levou ao palco seus filhos e sua esposa. Indo alem dos aplausos emocionados e de todo o público em pé; a história de dor e reconstrução de Talal e sua família levou às lágrimas o público, criando uma rara ocasião onde as pessoas simplesmente não se importam de serem vistas com lágrimas nos olhos; quando até o mestre de cerimônias começa sua fala visivelmente emocionado, logo após a frase de encerramento de Talal: “que os seus filhos e os meus filhos possam crescer juntos e em paz.”
Depois da emoção profunda para onde foi levado o público ao final do segundo bloco, a abertura do terceiro não poderia ser mais contrastante: o Trio Titanium, composto de violino, violoncelo e viola; instrumentos associados à musica erudita, tomou o palco para releituras inspiradíssimas de clássicos e musica pop; com uma atitude rock’n’roll e uma irreverência e bom humor absolutamente incríveis. Ao final do primeiro número, a platéia simplesmente não permitiu que saíssem. Aos gritos de “mais um”, atacaram, generosamente mais duas canções, transformando o auditório comportado numa grande balada pop.
E foi nesse clima tão solto e descontraído quanto agitado, que subiu ao palco Sri Prem Baba, o brasileiro que é o líder espiritual mundial da tradição Sacha; uma das mais antigas da Índia e que costuma, em seus encontros, ter ao menos uma hora de musicas e mantras sendo executados para levar as pessoas a um estado de calma e relaxamento, como preparação para ouvir. Mas assim que o Baba, como é chamado pelos seguidores (Baba significa “pai”, e Prem; amor, ou seja, “Pai do Amor”) ocupou o espaço e as luzes baixaram, a força de sua presença trouxe ao auditório um silencio de uma profundidade e atenção que raríssimas vezes se percebe num grande evento (não-meditativo). A sensação replicou o silêncio devocional que se percebe nos Satsangs do Baba (nos quais já estive por diversas vezes). E o brasileiro que mais alto chegou como líder de uma religião tradicional mundial, (a Sacha tem centenas de milhares de seguidores em todo o planeta) falou sobre a necessidade de fazer nascer em cada um de nós a honestidade e os princípios que desejamos ver no mundo, o compromisso fundamental com a transparência para realizar vidas verdadeiras, autênticas, que produzem o bem-estar e a felicidade; plantando as sementes de um mundo mais amoroso e pacífico. E no silêncio da sala, era fácil perceber o quanto esses conceitos, quando colocados como Idéias Empreendedoras, mexeram profundamente com a visão passada do que já foi chamado “empreender”.
Sandra Boccia recebeu um público atento e tranqüilo, para o qual falou da importância de reconhecer que o papel da mulher nos negócios e no empreendedorismo já não pode mais ser visto como nicho; e que hoje é absolutamente sem sentido que permaneça existindo uma diferença tão grande na remuneração das mulheres; que siga havendo tantos pontos em que as empresas ainda não tenham um real entendimento das realidades da mulher. Dá o que pensar quando ela cita que “até 1962, as mulheres neste pais não podiam ter CPF – ou seja, não podiam ter uma existência econômica formalmente reconhecida” – e esta observação coloca em perspectiva, ao mesmo tempo; o quanto se caminhou, e a imensa jornada que ainda temos pela frente na construção de uma verdadeira igualdade de tratamento e remuneração.
Como que para chacoalhar todas as visões sobre a “mulher empreendedora” estilo executiva- terninho, a explosiva paraibana Regina Tchelly, toda vestida de verde, de touca e avental; fez uma apresentação para desafiar todas as certezas e caminhos tradicionais para o empreendedorismo. Começando com a irreverência com a qual zombou de um concurso de gastronomia que a eliminou por “falta de diploma” ou formação clássica – ela que, alguns anos depois, tornou-se a primeira brasileira convidada a dar aulas na maior escola de gastronomia da Itália, uma das mais famosas do mundo; e terminando com a expressão máxima da síntese da genial culinária de aproveitamento total dos alimentos, criada por ela: “usar tudo até o talo!”. Regina aproveitou para ensinar que a grande arte de alimentar começa por alimentar a si mesmo de amor e; antes de tudo, amor próprio. Arrancou gargalhadas como se fizesse um show de stand-up comedy; saiu aplaudida de pé e com algumas centenas de novos fãs convertidos à sua “irreverência até o talo”.
A penúltima fala pertenceu à Gica Mesiara, criadora do lindo jardim vertical do palco do TEDx, que apresentou uma visão tremendamente diferenciada sobre a interação entre as pessoas, o meio e as leis da natureza; falou da importância da beleza e do natural como aspectos essenciais do bem estar, a presença da vegetação como elemento transformador do espaço urbano. A certa altura da palestra, fica inevitável a gente se perguntar “mas porque é mesmo que todas essas laterais de edifícios cinzentos na cidade ainda não estão cobertas por imensos, saudáveis e lindos jardins verticais?” Sinceramente, qualquer candidato que tivesse essa ideia em sua plataforma teria uma chance enorme de ter o meu voto.
O evento foi fechado por Eduardo Seidenthal, fundador da Rede Ubuntu e autor do livro “As Raízes do EUpreendedorismo”, explicando que toda transformação nasce do autoconhecimento, que possibilita entender o seu papel no mundo, assim como ter um foco claro daquilo que deseja realizar; e que a grande transformação é a visão de colaboração coletiva, representada pelo termo africano Ubuntu, que segundo Seidenthal significa “eu sou porque você é e você é porque nós somos”.
Ao final do evento, o TEDxSãoPaulo é o próprio jardim vertical colocado em seu palco: imensamente inspirador, apontando para o valor do novo e da vida que vence os velhos paradigmas vencidos. O jardim que pinta de verde e enche de flores as caixas cinzentas do passado.
Confira algumas fotos:
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Paulo Roberto Ramos Ferreira é Coach e Terapeuta Transpessoal; Membro da ONG Terapeutas Sem Fronteiras e Conselheiro do Nikola Tesla Institute e autor do livro O Mensageiro – O Despertar para um Novo Mundo. © 2015.
