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Aqui estou eu de novo

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spacess

 Estive um único dia em Conceição do Ibitiboca e muitos em Tiradentes. Conheci Sevilha, Manarola e o Luberon. Passei fome na Ilha do Mel, sei me localizar perfeitamente em Paris, bebi água salobra em Salzburg, dormi em rede num barco no Pantanal, recebi ordem de prisão em Amparo, caminhei (veiaco) sobre um lago de gelo em algum lugar da Alemanha, quase me afoguei em Fernando de Noronha, e aqui estou eu de novo.

     Passei dois aniversários sozinho e um com o pé engessado. Há três anos não dou festa (dois deles por conta da pandemia). Cantei parabéns numa ressaca desgramada, assoprei vela em Milão, não posso mais comer bolo e brigadeiro, e toda vez preciso fazer conta para saber a idade. 

    Jogava um futebol razoável, tocava um violão direitinho – fui até guitarrista de trio elétrico – e batucava bem, podem perguntar por aí. Desenhava sem parar quando criança, criava revistas inteiras de histórias em quadrinhas – mas, como dizia minha vó, depois que pus óculos e vi com nitidez o que desenhava, parei. Fui diplomado na Escola Remington de Datilografia e eis-me na décima tentativa de dominar o inglês. 

     Queimei a pele com mandruvá, fui picado por marimbondo, vespa (nunca soube bem a diferença entre um e outro), abelha, formiga (umas 50 de uma vez), mordido por cachorro, papagaio, por menino em briga de rua e tive 20 carrapatos pelo corpo – com paciência, pinça e álcool minha mãe foi tirando um por um. Quase morri de medo com uma lua cheia enorme e laranja que vi nascer, acordando os bichos e iluminando tudo no meio do nada.
     Já li Grande Sertão três vezes, Quincas Berro D’Água quatro, mesmo número de Lavoura Arcaica e O Encontro Marcado, Raymond Carver e Clarice mais de cinco, nem sei quantas vezes Bandeira, Drummond, João Cabral, Szymborska, Rubem Braga, Machado e ando encantado com Ana Martins Marques. Releio mais do que leio e não sei se isso é bom.

     Venci duas correntezas traiçoeiras de rio, peguei muita carona Brasil afora, bati o carro três vezes – culpa minha nas três –, atolei na estrada de terra que ia para Divinolândia, escapei de desastre de trem, se acertei três balizas nesta vida foi muito, e era daqueles meninos esquisitos que, no parque de diversões, procurava desviar e não bater nos outros no carrinho de bate-bate.

     Não sou mais tão bom de beber e de dormir. É uma pena. 

     Comi rã, arraia, lesma, tâmara, fígado, ostra, moela, iogurte de castanha, água viva, farofa de formiga (minha vingança), mas bom mesmo foi o pé de moleque de Piranguinho. Tive mais de sete graus de miopia, daí operei, hoje só uso óculos para ler, mas fiquei zarolho de uma hora pra outra, vejam como é a vida. E vi o maldito gol de empate da Croácia seis segundos antes de acontecer.

     Amei Fulana, namorei Sicrana (e Fulana), cortejei Beltrana, e eis-me de novo de olhos encantados. 

     Li. Reli. Andei. Corri. Toquei. Busquei. Amei. Desamei. Admirei. Desprezei. Fui. Não fiquei. Tropecei. Voltei. Aprendi. Esqueci. Plantei. Reguei. Colhi o que deu vontade. 

     E aqui estou de novo, parado como prefiro. 

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