Viva! Maria partiu para a Alemanha. Pretende ficar um ano, talvez mais (ai) visitando companhias, fazendo aulas e audições, vivendo o mundo da dança de Berlim e arredores. Arredores que não estarão mais ao meu redor. Droga. Maria partiu para a Alemanha.
Nos últimos meses, bem que me dediquei a ser um pai liberal, incentivador, que acredita que a gente cria os filhos para o mundo, e dizia “isso, filha”, “vai mesmo”, “bata suas asas”, “viva sua vida” e outros lugares-comuns sinceros. Ajudei-a no que foi possível, com a passagem, a documentação. Hoje, estou trincado ao meio, um pouco arrependido de ter sido tão encorajador assim.
Como viver sem Maria? Sem sua doçura, seu ar meio avoado, seus passos (quase sempre descalços) pela casa. Recoloquei na minha estante meus livros emprestados que estavam na dela. Deixei na escrivaninha seu bilhete de despedida.
Este texto está me entregando. Mostrando que, por trás de um homem pretensamente avançado, aberto para o mundo, um escritor em busca de alguma relevância, está um sujeito meloso, triste por não ter mais a filha do seu lado, um paizão patético. Fui desmascarado. Eu devia estar agradecendo a vida por Maria estar seguindo sua jornada. Devia estar mais orgulhoso que machucado. Claro que sim. Claro que não.
Já vivi 62 anos, sei que cada um deles se move de um jeito diferente. Uns demoram a passar, parecem ser feitos de 16 meses de março; outros vão e vêm num atropelo – especialmente os mais recentes, que mal terminam o Reveillon já estão decorando vitrines para o Natal. Mas este que começou hoje, no meu calendário particular, tende a ser dos intermináveis.
Dizem que nessas horas é bom se ocupar de algum projeto. Estou para publicar o quarto livro e terminando o quinto. Mas tenho um mais urgente e importante: cuidar de Beatriz. Que está ainda mais tristinha do que eu, olhando pelos cantos, suspirando. Compreensível. As mulheres sentem mais esses momentos, Maria nasceu de sua carne, é na carne que ela sente a separação. Beatriz precisa de mim. Algo vai nos confortar: imaginar Maria bem e feliz. Acho que estamos precisando de alguns dias em Tiradentes.
Pedro também sentiu bastante, Maria era muito sua companheira. E está sendo um bom filho, conversando bastante conosco, nos fazendo companhia. Senti orgulho de sua atenção, mas lhe disse que agora ele deve voltar à sua vida, seus caminhos, sem se ocupar tanto com a gente.
“Que alegria” e “que saudade”, quem vai vencer a peleja? E depois, passado esse tempo, Maria vai voltar?
Não, Maria não deve voltar. Mesmo que não fique por lá, que volte para o Brasil, para casa, seu quarto (não aposto um euro nisso), ela não será a mesma: se voltar, será para uma outra vida, a sua vida, a de mulher forte, independente, como eu e Beatriz sempre quisemos e incentivamos. Por mais que agora haja essa coisa faltando. Minha tristeza é tão legítima quanto meu orgulho. O consolo mora nos sorrisos das fotos que ela já nos mandou.
Hoje, saí para caminhar pelo bairro. Embora o termômetro marcasse 20 graus, soprava um vento fora de época e senti frio, muito frio. Voltei para casa antes do previsto. Acho que envelheci alguns anos.
É. A gente paga um preço alto por ver os filhos felizes.