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O bem-te-vi mora no cemitério

Picture of Cassio Zanatta

Cassio Zanatta

     Andava com meu filho Pedro pelos lados do Cemitério da Consolação. Conversávamos sobre bobagens, que é assunto de grande entendimento entre pais e filhos. Íamos margeando o muro do cemitério, quando notamos um café do outro lado da calçada. Sentamos para uma água, um café e descanso, que aquela subidinha é para profissionais.

     Foi quando reparamos no bem-te-vi. Voava do muro do cemitério para a árvore que nos fazia sombra, voltava para o muro e para a árvore, num vice-versa pintado de amarelo.

     Não há nada de excepcional em notar um bem-te-vi. Reparar em um deles não dá a ninguém ares de amante da natureza ou ornitólogo. O bicho pode ser tudo, menos discreto. Para começar, ele é grandinho. Tem penas amarelas, de não fazer feio ao lado de um canário. Além disso, usa uma máscara preta nos olhos que lhe dá um ar de contrafeitor. Pia e canta alto, afeito a um estardalhaço.

     Fica bem um bem-te-vi ao lado de um cemitério. Se eu resolvesse passar o resto dos tempos por ali, iria gostar da companhia de um canto tão otimista. Fora que, à exceção desses cemitérios moderninhos, gramados, os antigos são cinzas, nos túmulos, nas lápides, na tristeza. Faz bem um passarinho todo amarelo, gritar “bem-te-vi!” e cair fora para logo voltar.

     O que ele bem viu e está louco pra contar? O cavalheiro que ali dorme deve temer que o bicho revele algo guardado há 62 anos. A senhora tão distinta, identificada com uma placa igualmente distinta, o que terá aprontado que nosso olheiro bem viu e quer espalhar?

     O café não estava bom. Não entendo porque essa onipresença do café expresso ao invés do coado. Em geral, é muito forte e às vezes, como foi o caso, junta um pouco de pó na língua. Deve ser que o sujeito não saiba tirar direito o café, sei lá. Pouco entendo as razões de garçons, passarinhos e bandeirinhas de futebol.      

     Ficamos ali proseando, e disse ao meu filho que assim nascem as crônicas, de prestar atenção no que, no fundo, nem merecia. Até com nome esta já veio: “O bem-te-vi mora no cemitério”. Ele sorriu o tempo de um piado e achou uma outra bobagem mais interessante sobre o que conversar.  

     Saímos do café, voltamos a encarar a subida, que não temos o dia todo para perder na sombra, seguindo um bicho que não respeita nem cemitério. Ele que refaça seu caminho por séculos e séculos, alegrando a rapaziada dormindo ali.

     O sol está se pondo. Breve o bicho vai voltar ao ninho e, tão logo encontre sua parceira, antes mesmo de perguntar como foi o dia, vai puxar prosa: “Você não sabe o que me aconteceu hoje: bem que vi pai e filho em plena quinta-feira de tarde, vagabundeando num café e jogando conversa fora. Olha o exemplo. Eu não sei o que vai ser dessa meninada hoje em dia com pais assim.”

     Estou bem te vendo. Fofoqueiro.

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