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O grande conluio

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Marcella Izzo

Não sei se todos se deram conta, mas há um evidente conluio entre médicos e esposas, professores de academia e sogras, nutricionistas e alfaiates, para nos convencer a comer menos, evitar excessos, sermos comedidos na marra.

     Em casa, nas entrevistas da TV, em conselhos nas consultas médicas, essa turma não deixa barato: nos ameaça com as maiores desgraças se repetirmos o quindim, pedirmos mais uma caipirinha ou sugerirmos uma porção extra de torresmo. O coração vai pifar, a veia vai entupir, o colesterol, subir, o diabetes, descontrolar, o fígado isso, os rins aquilo, é só desgrama.

     Aí você decide ter uma alimentação mais comedida. Dá-se por satisfeito no primeiro prato. É generoso no aipo, rúcula e alface. Finge indiferença na frente da sobremesa e faz cara de nojinho diante do mil-folhas. Mas os zagueiros da alimentação são implacáveis. No exagero do exagero, proíbem até as frutas – claro que as mais gostosas. E, quando não as proíbem, revelam o perigo que escondem: a alta taxa de açúcar, de acidez, do índice glicêmico, de potássio, ferro, sei lá.

     Em compensação, as frutas sem graça, com gosto de dia nublado no céu da boca, ah, essas estão liberadas, têm todo o apoio e incentivo deste pessoal. No primeiro grupo (as divinas, mas ameaçadoras), temos o figo, a banana, manga, caqui e a fruta do conde. No segundo, o das tediosas, as romãs, lixias e peras.

     (Não quero comprar briga com os produtores de peras, mas vamos convir que entre uma delas e uma manga dourada, cheirosa, não dá nem para o começo.)

     Essa turma não se deu conta de que, quando repetimos o torresminho, é justamente na sensação de pecado, de fazer algo proibido que mora a graça. E, se com um torresmo já está tudo perdido mesmo, por que não repetir a caipirinha? Pêssego em calda é um convite ao além. Quatro pasteis, passaporte para o inferno.

     Eis que, no alto da plenitude gástrica, acende no ombro direito – puf! – a miniatura de um deles, um fantasma de dedo em riste e sorrisinho sarcástico, lembrando o estrago que fazemos à saúde. O conluio é poderoso, se intromete nos nossos desejos como um déspota não esclarecido, têm o poder de estragar os prazeres mais inocentes.

     OK, não há nada de inocente numa porção extra de torresmo ou na overdose de cobertura no sorvete. Verdade. Mas também não há encantamento possível em cravar os dentes num rabanete.

     Ah, pessoal, tem dó: é tanto desgosto: a corrupção na política, o preço das coisas, o desmatamento sem controle, a atual fase do Santos, poxa, nos deixem cometer um exagero ou outro, vai. Prometemos que será só de vez em quando.

     Dito isso, agora mereço uma suculenta salada de pepino com molho de iogurte. Só estou em dúvida se romã ou carambola de sobremesa.

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