O caro leitor, ou a cara leitora, já deve ter se apaixonado nesta vida (caso ainda não, presumo que tenha menos de 14 anos). É um dos principais motivos porque vale a pena estar por aqui: descobrir a divindade na terra, um sentimento de plenitude, de alçar voo com o pensamento (ao mesmo tempo, mergulhar em águas muito azuis mas revoltas); a gente fica encantado, descobre cores escondidas, escova os dentes sorrindo, paga a conta de luz sorrindo e entende de repente a fixação dos artistas pelo tema.
Mas a paixão não deve durar para sempre. Ninguém aguentaria dois anos nesse estado de desvario, sucumbiria à glória ou à tormenta, queimaria em gelo nada brando. Com sorte, a paixão evolui para o amor, acha o prumo, se acalma e encontra a paz. Você descobre que a plenitude é isso, não aquilo.
Mas acontece também de a paixão desacontecer. Aos poucos ou de repente, até mesmo sem motivo, pluf, ela evapora. Nesse caso, estamos diante de uma tarefa complicada: o trampolim sumiu, a catapulta enferrujou, as asas murcharam. Respirar dói, engolir incomoda, qualquer pensamento descamba em aflição. Nuvens escuras estão previstas no decorrer do período.
Pior é quando o sentimento insiste, mas deixou de ser correspondido, agora só existe em você: conforme os dias passam, o objeto da paixão vai se distanciando da realidade, de como ele de fato é, para virar uma mistura de divindade e pote de ouro. Há um pôster com a foto da pessoa em cada parede, tronco de árvore, fachada de prédio. Dorme-se bem pouco nesse estado.
Desapaixonar-se é missão dificultosa. Desiludir-se requer esforço e alguma meditação (de preferência, no escuro); retomar o foco para si exige isolamento, uma viagem, um novo emprego ou, nos casos mais sérios, um vício lamentável. Nada se pode fazer em menos de seis meses. A não ser contar com banhos frios, música e livros – só muito cuidado com os de poesia. Prefira João Cabral a Emily Dickinson, T. S. Elliot a Vinicius.
Acontece também de haver o reencontro com a paixão. Ele deve ser ao acaso: na fila do cinema, num vagão do metrô, no sentido oposto da escada rolante. Justo quando o espectro começava a se dissipar. É um momento grave. Dói reparar que o encontro não provoca no outro nem um quinto do que nos causa. Estamos cegos e indefesos. As mãos tremidas não ajudam, uma certeza errada nos embaça, o tanto que ensaiamos dizer vira farofa.
Dói como formiga saúva beliscando a bunda da alma. Você está crente que morreu para sempre. Mas não.
Porque, numa terça de tarde que pouco prometia, quando você caminha pela calçada distraído, uma luz vira a esquina e dá de cara com você. Há um halo em volta dos cabelos em que, estranhamente, só você repara. Ouve-se um coro de “óóóóóóó” entoado por todos os cupidos do Universo. O relâmpago explode no dia bonito e fraqueja suas pernas e braços de um jeito que você derruba com estardalhaço o pacote que levava. Aquilo de novo.
A pessoa ri do seu desajeito. Os olhos se reconhecem. Você está perdido. Ou reencontrado, sei lá.