Dois sujeitos conversavam ao meu lado no balcão da padaria. Eu tomava meu café, pensando na vida, nem prestava atenção ao que diziam. O leitor deixe de ser futriqueiro se pensa que vou ficar xeretando e revelar o assunto da prosa.
Sei que, às tantas, um deles bateu com a mão no balcão e disse alto (alto, para deixar claro de uma vez por todas que eu não fazia esforço para ouvir):
– Desculpa, tenho que ir.
– Mas já?
– Não posso ficar.
– Nem mais um minuto?
– Desculpa, é que moro em Jaçanã. Se eu perder esse trem…
E saiu esbaforido, deixando o outro com a mãozinha acenando um adeus desanimado.
Não podia ser o trem das onze da famosa canção, eram apenas sete da matina. E eu, que nem sabia que ainda havia o trem pra Jaçanã, fiquei intrigado: quer dizer que as letras das músicas ganham vida subitamente? Acontecem na vida real? E quem nasce primeiro, o momento ou a canção?
Assim, sucedeu assim? Ou sonhei que estava sonhando um sonho sonhado?
A gente sabe que triste é viver na solidão, que a tristeza é senhora, o mar quando quebra na praia é bonito, que aqui na terra estão jogando futebol, somos testemunhas. Mas será mesmo que o gato preto cruzou a estrada? Que um índio descerá, impávido como Mohammed Ali? Há até quem duvide que as rosas não falam. E o medo de que a tarde caia feito um viaduto?
Magnífica é aquela tragada puxada depois do café, cantava com gosto meu pai, que nem fumar fumava. Se nós, nas travessuras das noites eternas, já confundimos tanto as nossas pernas, cantarolou a freira ao meu lado no ônibus. Sentimental eu sou, eu sou demais, cantava no boteco às lágrimas o torturador ao fim do dia. Letra e vida, cada um para um lado.
A vida imita a arte, diz o dito popular. Mas a arte não pode negar que a vida dá umas ideias bem bacanas. Então, quem é o compositor, e quem só plagia descaradamente? Sei lá, não sei. Nem sei se gosto mais de mim ou de você. Certeza, apenas que o tempo passou na janela e só Carolina não viu.
Se eu tivesse o talento de um Adoniran, talvez na hora transcrevesse a conversa num guardanapo e a transformasse em canção. Mas estou mais distante disso que Jaçanã. Além disso, nesse caso a canção já existia, anterior ao momento. Paciência. Não se afobe não, que nada é pra já. O café estava bom, e isso é um consolo.
E assim vou vivendo, escrevendo a letra de um samba vagabundo, num arranjo confuso, às vezes criando temas forçados e rimas pobres. Felizmente os mais capazes escrevem as canções que ficam e dão sentido à coisa toda.
Pois é. Mas esse papo meu tá qualquer coisa.