Search
Close this search box.
Search
Close this search box.
Search
Close this search box.
Search
Close this search box.

Esqueci a senha

Picture of Cassio Zanatta

Cassio Zanatta

     Há meses não visto essa calça. Aliás, há dias não uso calça. Tenho usado cada vez menos – é essa canícula em pleno outono ou desleixo mesmo? De bermudas tenho desfilado minhas pernocas por aí, mas hoje o compromisso pede um mínimo de compostura: saio de calça.

     Enfio a mão no bolso e sinto uma presença estranha, um volume desagradável, e que cutuca. Na verdade, quase não há volume, pois não passa de um papelzinho dobrado. Tiro do bolso, desamasso, vejo que ele traz uma sequência de números. Uma senha. Está bem apagada pelo tempo, não é possível ler e identificar de onde é, saber como foi parar ali nem lembrar para que servia.

     Portanto, em algum lugar que não sei dizer, alguém cansou de me chamar. Chamou esse número tantas vezes no painel eletrônico que desistiu. Praguejou (com razão) contra essa gente que pega uma senha e vai embora sem avisar, empacando a fila e atrasando o atendimento.

     Seria a senha para ser atendido no banco? A senha de espera de um restaurante cheio? A de um exame de sangue no pronto-socorro? O número de alguma rifa ou sorteio? Para ser atendido no Poupatempo?

     Ou algo mais sério: seria a senha da felicidade, que fiz mal em desprezar e esquecer no bolso? Bem que agora, em algum painel saído do nada, podia acender esse meu número, com um alegre toque sonoro, indicando que daqui pra frente tudo será uma sequência de risos e afagos.

     Senhas são uma invenção recente. Até 1990, por aí, não existia esses papeizinhos ou painéis eletrônicos para que aguardássemos a vez; havia sempre uma fila, uma interminável fila. Também não havia o direito garantido aos idosos de ter preferência no atendimento – isso dependia mais da gentileza das pessoas na fila. Também não tinha VAR para esclarecer lances polêmicos no futebol, havia mais discussões nos bares e arquibancadas. Mas estou me perdendo no raciocínio.

     E qual teria sido o motivo de eu desistir de ser atendido e ido embora com a senha enfiada no bolso? Um outro compromisso? Impaciência? Urgência de ir ao banheiro? O tempo apagou o motivo, como apagada está essa sequência de números que nada mais dizem.

     Uma ideia seria jogar esses números na loteria. Os acasos se reconhecem, quem sabe haveria algum dinheirinho extra. Mas não tenho jogado ultimamente (nunca fui de jogar), como não tenho vestido calça. Também não tenho ido a São José, estou há meses sem dar as caras, o que vai me valer um pito da minha madrinha Rosa e das minhas tias, vou levar um esculacho para aprender a não ser tão relapso.

     Melhor ir de calça.

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Esqueci a senha

     Há meses não visto essa calça. Aliás, há dias não uso calça. Tenho usado cada vez menos – é essa canícula em pleno outono ou desleixo mesmo? De bermudas tenho desfilado minhas pernocas por aí, mas hoje o compromisso pede um mínimo de compostura: saio de calça.      Enfio

Ler mais

Copyright © 2024. Theme by Mr Da Vinci, powered by WordPress.