Na terra de vocês, quando alguém está contando um ocorrido, acontece de a pessoa dizer: “Aí eu peguei e…”? Na minha terra se diz muito. Nesses interiores por aí ainda se usa.
Aí eu peguei e dei uma banana para o emprego. No que ouviu os passos do marido, ele pegou e fugiu pela janela. Quando viu que ia ser substituído, o atacante pegou e mostrou o dedo para o técnico. Diante do colapso da Saúde, o prefeito pegou e decretou isolamento (no que fez muito bem).
Qual o motivo da expressão? Ninguém pegou nada, não havia objeto algum ou caminho a pegar. Vai entender. Do que eu gosto nela é a indicação de movimento, o preparativo para alguma ação (em geral equivocada, andamos todos batendo cabeça). Quando alguém pega, é que aí vem coisa: então, o deputado pegou e delatou todo o esquema. Aí a mulher pegou e resolveu pintar os cabelos de cor de abóbora.
Melhor, só se, diante da mudança de atitude, a gente usasse o “despegar”: Aí eu despeguei e desisti de estudar tuba. Então o gato despegou e foi morar em outra redondeza. Se eles estão namorando? Não, ela despegou e foi morar em Berlim.
Concordo que há preocupações mais urgentes. A pandemia não acabou de vez, a corrupção não acabou de vez, a Educação ainda espera sua vez. Mas, se a gente não pega e fala algumas bobagens, fica muito difícil.
Hoje é domingo e as nuvens atravessam o céu em disparada, o vento lá em cima parece estar com pressa. Vou pegar e passar um bom tempo na rede: lendo, pensando, cochilando – não necessariamente nessa ordem. Quando der na telha, irei até a cozinha pegar uma mexerica – e esta será a única vez neste texto que o verbo pegar será usado apropriadamente.
Reconheço que o tema deu uma murchada. Pensei que ele rendesse mais, mas não há muito a acrescentar. Enfim, veja pelo lado bom: sumido o interesse, você pode pegar e ir fazer coisa melhor, como pegar e passar uma hora de ponta-cabeça, pegar e treinar pelota basca, ou pegar e ir plantar batatas. Até pegar e não fazer lhufas.
O importante é pegar. Decidir. Avançar. Providenciar. Até para não fazer nada o cidadão precisa dar o impulso.
Então é isso: peguei e dei a crônica por encerrada. Ou despeguei o assunto. Por aí.
