Vou à quitanda comprar ovos. Ando distraído pela calçada, é uma rua agradável de Pinheiros, só de pequenas casas. Alguma coisa me incomoda, não sei bem o quê, uma sensação estranha aumenta à medida que avanço, até que descubro: todas as janelas das casas da rua estão fechadas.
Faz uma bela manhã de sol. Uma manhã de janelas abertas. No entanto, estão fechadas. Todas.
Não é possível que em nenhuma casa esteja algum morador, que todos tenham ido à faculdade, ao trabalho, ao dentista ou saído para viajar, e assim as janelas precisam estar fechadas para evitar assaltos e entrar chuva. Ou então há pessoas dentro e estas se sentem mais seguras com as janelas fechadas. Mas muitas são inacessíveis, não há muro ou árvore por onde escalar para alcançá-las. Mesmo assim, seguem fechadas.
É preciso abrir as janelas. Trocar o ar viciado da noite pelo fresco da manhã. Deixar o sol entrar e aquecer o tapete, os travesseiros, os retratos nas paredes. Fazer a brisa chacoalhar as cortinas e, assim, possibilitar a uma delas voar para o lado de fora no mesmo assanhamento das saias. Ou permitir a alguém colocar um vaso de flores no parapeito, por onde um gato pode caminhar lentamente, contornando o vaso para não empurrá-lo e se espatifar no chão. E o direito das abelhas de invadir a casa por alguma fresta, para em seguida mudar de ideia e tentar sair, batendo com enlouquecedora insistência no vidro?
A sala quer espiar o que acontece no mundo de fora, nem que seja algo desinteressante como eu passando com minha sacola de compras. As senhorinhas precisam se debruçar e vigiar o movimento, para ter assunto para os futricos. O som de um estudo de piano precisa sair para a rua. Um homem descabelado e de pijama velho precisa vir à janela para nos convencer de que não somos os únicos que acordamos com um aspecto lamentável. Mesmo o barulho de um aspirador de pó escandaloso deve contribuir para a volta da vida à rua.
Vamos imaginar uma cena improvável nos dias de hoje: que um bando de meninos esteja jogando bola na rua. E se um deles chutar a bola na janela e ela estiver fechada, impedindo a bola de quebrar o vidro, que derrota da humanidade. Se um moleque com um estilingue mirar num passarinho e, por intervenção de São Francisco, errar e dar com a pedra na janela, só haverá um “boc” desanimado, ao invés do glorioso som de estilhaço? Nenhuma senhora de bobs vai aparecer para ameaçar e jogar praga?
É preciso abrir as janelas. Velhos rabugentos, moços de ressaca, faxineiras exploradas, desempregados sem ânimo, os que sofrem de insônia e solidão, escancarem as janelas! Deixem entrar o que é de entrar e sair o que já se gastou.
Meu pedido é inútil. Um dia alegre, uma rua tão simpática, e as janelas seguem fechadas.
Me chateei. Decido voltar pra casa sem comprar ovo algum. E por outra rua. O que não falta é rua nesta cidade.