Avisar, a mulher do tempo avisou. Então, de repente, a chuva desistiu de chover. O lago está seco como nunca esteve. Não, seco não, pior: tem um restinho, uma poça sobrevivente no centro da enorme cratera, mais para lama que para líquido. Imagino que deva ter havido um pega pra capar dos peixes pela água. Restaram então os mais fortes, justo os que de mais água precisam. E aí levou quem trouxe.
Não foi por falta dos ecologistas alertarem. Os socós e martins-pescadores que mergulhavam na água picaram a mula. Nada dos pescadores que se sentavam nas beiras e pitavam seu cigarrinho, sem pressa (nem muita esperança) de pescar. E os reflexos da água, tão cansados, desistiram de ser espelho para virar essas rugas que racham a terra.
Bem que o Greenpeace preveniu: água não aceita desaforo. Não quer a companhia de saco plástico, garrafa pet, pneu, geladeira usada, lataria de carro – uma ilha de lixo. Rio não é privada, lago não é pinico. E a água que vai restando quase que nem água mais é, está poluída, semimorta, inútil.
Daí os urubus foram se acercando. O aquecimento global, as chaminés determinadas, e os homens a fazer pouco, a sujar, a desperdiçar. Resultado: nuvem, até tem, vez em quando, mas parece que se esqueceu de como faz para molhar. O verde do mato virou um amarelo palha, triste – amplamente a favor das queimadas.
Os pessimistas se impuseram: olham para o resto da humanidade com descabida – e justa – superioridade. Pisam firme na terra seca e levantam o pó que só piora as coisas. Agora é um tal de “não falei?” que vou contar.
Avisado a tempo, o bom senso até tentou: era preciso racionar a água, tomar banhos curtos; enquanto se escova os dentes, torneira fechada; enquanto se ensaboa o corpo, torneira fechada. No intervalo entre lavar os pratos e os copos, torneira fechada. Os homens parecem só tomar providências óbvias quando ameaçados.
Agora, os casacos andam servindo apenas ao banquete das traças. Gorros e cachecóis dormem nas gavetas. Os calos dos tios não se manifestam mais. As coleções outono-inverno saíram de moda. Esse solão em julho. A temperatura do planeta subindo e o nível da água descendo.
Eis que as catástrofes saíram das telas do cinema: a floresta queimou, a enchente subiu, a fumaça cobriu, o ciclone vingou, a geleira derreteu. Só nos resta (literalmente) engolir seco. Estamos nos quartos dos infernos, rumando com determinação para os quintos.
Fomos avisados, alertados, ameaçados, prevenidos. Não adiantou: preferimos pensar na possibilidade da vida em Marte do que cuidar da nossa casa. Que, cá entre nós, sem bairrismo algum, é muito, mas muito mais bonita com seus mares, montanhas, vales e florestas do que aquele desertão vermelho. Além do quê, imagine você em Marte e dá uma súbita vontade de chupar caju. Ferrou.
Bem que os agentes de viagens podiam ter nos alertado. Vai ver foi isso que faltou.