Costumam ser pontuais: às cinco da tarde, passam pela minha rua (desculpem se chamo a rua de minha, quando há outros moradores que dividem o espaço comigo – é que, pelo que eu venho pagando de IPTU, tenho a impressão de estar a comprá-la em nada suaves prestações). Eis os dois: o dândi, altivo, sempre impecavelmente vestido, em total contraste com a displicência do vira-lata que lhe faz companhia.
O homem, alto, magro, sempre de calça e camisa de linho (vá lá, já bem usadas), lenço no bolso e, mesmo no inverno, bronzeado, exibe um andar ereto, confiante, de quem parece estar a caminho de uma entrevista para a Vogue. Tem sempre na boca um cigarro apagado. Assim, ganha um ar de estrela hollywoodiana em decadência, sem prejudicar a saúde. Aparenta uns 65 anos, é bom mesmo ir se cuidando.
Já o cachorro é uma lástima: é de raça indefinida (ou definida pelo excesso de raças), um vira-lata que não tem nem a sabedoria das ruas nem a educação das casas. Não é grande nem pequeno, nem bravo nem simpático; tem orelhas grandes, desproporcionais ao resto da cabeça, e um focinho sem graça; é tão magro que a coleira lhe sobra no pescoço; os pelos são confusos, um emaranhado de fios que não se definem sobre que direção seguir. Parece estar sempre tenso, qualquer ocorrência em volta o assusta. Sua presença é um acessório no quadro, mais que isso: uma contradição.
Uma ocasião, cruzei com a dupla na rua. Cumprimentei o dândi, que respondeu erguendo o chapéu (estava de terno branco, gravata e lenço laranjas, e chapéu panamá). Fiz festa para o cachorro, mas ele apenas confirmou sua sem-gracice e me ignorou.
Pois o porteiro me contou um ocorrido chato na semana passada: estavam os dois a passar em frente ao nosso prédio – à hora descrita anteriormente –, quando o cachorro desembestou: saiu em disparada, esticando a coleira (deve ter avistado uma fêmea no cio) e, no tranco, fez o dândi se espatifar na calçada. As pessoas em volta o acudiram. O cachorro ficou tão sem-graça (mais ainda que o normal) que esqueceu a fêmea e ficou ali do lado, andando pra lá e pra cá, mexendo as orelhas, abobado, como a pedir desculpas.
Hoje, após breve ausência, eles reapareceram. Com um detalhe novo: o dândi agora anda apoiado numa bengala. Deve ter se machucado na queda, espero que seja coisa passageira. Não parece ter guardado mágoa do companheiro, pois passam os dois juntos, na atitude de costume, como se nada tivesse sucedido. Nós, homens, mesmo os deselegantes, compreendemos o efeito que uma paixão súbita é capaz de nos causar.
Pois a dupla já faz parte da fauna local, como o Hélio da banca, o pregão do amolador de facas, a Claudia da Padaria Trigonela, a velha que varre a calçada, e o doidinho que só aparece aos domingos a discutir aos berros consigo mesmo. Bom que eles existam e emprestem aos arredores uma cara humana, reconhecível. Disso são feitos os bairros.
O dândi e o vira-lata. O glamour e o vulgar, o estrelato e o anonimato, o capricho e o esculacho convivendo em harmonia. Bem São Paulo.