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O guarda perdido

Picture of Cassio Zanatta

Cassio Zanatta

Pensar no título às vezes dá mais trabalho do que escrever a crônica. A chamada deve atiçar a curiosidade do leitor, incentivar a leitura, fazer a pessoa pensar que aí virá o texto que vai iluminar seus caminhos. Mas acontece de a gente entregar demais, deixar o assunto muito evidente, como é o caso.

     Pois, de fato, o guarda estava perdido. Não era um descaminho existencial, de quem busca o sentido dessa joça toda, não: era desorientação mesmo. Chegou-se meio ressabiado, disfarçando a procura, e perguntou:

     – Amigo, você por acaso sabe onde fica o açougue mais próximo?

     Sou um sujeito confiável – melhor dizendo, devo parecer. Havia mais gente na calçada para o guarda perguntar. Por algum motivo, ele me achou um homem que se encontrou na vida, uma bússola precisa, uma placa luminosa a postos para indicar a direção correta. Mais: tratou-me como “amigo”. Não tenho amigos policiais, o que é uma pena. Se conversássemos mais, sei lá, sobre política, a má fase do Santos, passarinho, estradas de terra com vistas bacanas e onde degustar pipoca sem manteiga, poderia quem sabe nascer uma amizade (é permitido a um guarda falar sobre política?).

     Pausa para um esclarecimento necessário. “Guarda”, na minha terra, tanto pode ser um policial de rua, um segurança de banco, um bombeiro, como o cidadão de uniforme que toca tuba na banda do coreto. Diferente de “guardinha”, que é, ou era, aquele garoto que faz, ou fazia, sei lá bem o quê no tempo em que havia guardinhas nas ruas. Pelo menos no Interior, havia.

     Uma vez, eu trabalhava no sexto andar de um prédio quando fomos interrompidos por uma sinfonia de sirenes fazendo um escarcéu cada vez mais próximo, como se anunciasse a chegada do juízo final. Fomos até as janelas e vimos cinco carros de bombeiros enormes freando na nossa esquina. Ficamos com medo – seria uma bomba, ameaça de atentado, algum incêndio subterrâneo que iria explodir tudo em volta? Dos carros desceram vários bombeiros correndo estabanados, a controlar – uma bola?! Todos entraram em um terreno ali do lado para disputar uma animada e, pelo visto, urgente pelada.

     Agora analisemos a situação. Não é por estar perdido que um policial perde sua autoridade policial. Lá estavam o uniforme, o quepe, o coturno preto, a pistola à cintura. Principalmente, a pistola à cintura. Era um policial, vestia-se como um policial, parecia caminhar sempre em posição de sentido. De estranho, só o fato de perguntar pelo açougue mais próximo. Por que o procurava? Estaria organizando o churrasco anual da tropa? Fazia alguma sindicância sobre o preço da maminha? Estaria atrás de um açougueiro que não se contentava em abater bois? Não sou investigador – fosse, seria também um policial e seríamos iguais, o que traria um significado mais justo ao título da crônica.

     Enfim: não, não soube lhe dizer onde ficava o açougue mais próximo. Não fazia ideia, não saberia informar. Lamentei decepcioná-lo, mas já decepcionei gente antes, não era novidade.

     Pergunte naquela banca, disse a ele, o jornaleiro deve saber. É gordinho, deve ser chegado mais em churrascos que em disputar maratonas, por exemplo. Ou pode dar alguma pista de onde encontrar o açougueiro carniceiro. Ou sugerir nome mais feliz para este texto, vai saber.

     Hoje eu não estou bem.

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