Somos quatro no balcão da padaria. Sou o único sentado, os outros três estão do outro lado do balcão, onde não há bancos. Bebemos café em silêncio, não nos conhecemos e é cedo demais para conversar. Dois de nós comem pão com manteiga na chapa – não digo quais para não dar pistas.
Em poucos minutos teremos deixado a padaria sem deixar nenhuma impressão em especial.
Então, um de nós – o único que usa bigode e veste casaco, velho e de couro marrom – irá para o trabalho, talvez numa delegacia. Não, ele não é o delegado. É escrevente e registra todos os dias o pior da espécie humana. Quem o conhece sempre pergunta como pode, um sujeito gentil como ele, trabalhar em algo tão bruto e aborrecido. Pergunta em outro momento, vamos deixar claro, pois ali ninguém abre a boca. Em outra hora, daria sua resposta padrão: chacoalhar os ombros e confiar na loteria.
Outro tem pressa, engole o café e é o primeiro a sair. Vai pegar o carro e dirige mal pra burro. Vai fazer muita barbeiragem, levar xingamento e buzina na orelha até perder a paciência – ter pressa, ser barbeiro e impaciente não costuma dar em boa coisa – até acertar num cruzamento, antes mesmo do almoço, a porta do carro de um outro sujeito que, nesse momento, ainda nem acordou, porque é muito cedo.
Reparo num instante que não há pôster de time de futebol nem foto do Papa na parede da padaria. Pois é.
Há ainda o terceiro, mas é como se não houvesse. Olhar fixo para a frente, está concentrado, pensando em outra coisa. Usa óculos, não sei por que, pois quem não enxerga o que está à sua volta não precisa deles. Só desvia o olhar em frente para checar de quando em quando o relógio. Quem sabe marcou com alguém na padaria e esse até agora não apareceu. Uma mulher? A sua mulher? Ou a mulher de outro alguém, com quem está tendo um caso banal e sem futuro? Quando ela chegar, atrasada e ajeitando os cabelos, os dois vão discutir. Pouco e rápido, porque ainda nem clareou direito. Ou talvez esteja esperando uma mulher (que chegará com a arma) para juntos assaltarem a padaria. Por isso ele pensa tanto: para dizer as palavras exatas no momento propício.
Tá bom, tá bom, vou revelar o sujeito que come pão com manteiga: é o navalha impaciente. Não contei antes porque esse detalhe em nada melhoraria a narrativa. Como de fato não melhorou.
Vinte minutos depois, sou o último a sair. Talvez o que tenha mais tempo. Volto para casa, dedico umas horas a escrever essa história meio besta, inventando o que possa ser a vida dos meus companheiros de balcão. Nem quando apelei feio, inventando a improvável existência da amante ou o assalto à padaria, creio ter conseguido despertar algum interesse. Verbo bastante adequado ao momento: despertar, já que continua sendo muito cedo.
Fato curioso: um saiu para a rua rumo à esquerda; outro, à direita; o navalha atravessou a rua para entrar no carro (mal) estacionado bem em frente. Desempato o jogo saindo pela direita. E me esqueci de dizer que o escrevente tinha uma caneta Bic com tampa verde no bolso do casaco de couro marrom.
Por um instante, estivemos os quatro juntos (até entrou uma senhora na padaria, mas foi direto ao balcão principal comprar quatro pães e um sonho). Os três de pé e mais eu bebemos em silêncio um café honesto. Ao menos tive a sorte de estar sentado. E de ter um pouquinho a mais de tempo pra pensar tanta bobagem.