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Sou:

Picture of Cassio Zanatta

Cassio Zanatta

O caçula da família, o que já fez alguma diferença; hoje, que passamos todos dos 60, não faz nenhuma. Um sujeito meio surdo que não maldiz de todo sua condição – há muito barulho e bobagem sendo dita por aí.

     A única criança na turma que na lanchonete preferia o suco de uva ao de laranja, porque achava a cor roxa tão mais bacana. Que achava que aquele lago no parque Ibirapuera era o mesmo Rio Pardo da minha cidade. E sofria de doer o estômago quando o Batman caía na armadilha do Coringa.

     Uma das raríssimas criaturas no mundo ao mesmo tempo celíaco, hipertenso, diabético e com esclerose múltipla. Que já foi atacado por marimbondo, levou carreirão de vaca, ganso (!) caiu do cavalo e sabe a letra inteirinha de Feitio de Oração. Que já assistiu no Maracanã ao Roberto Dinamite fazer três gols contra o Fluminense num sábado de Carnaval e jurou ao seu pai nunca subir numa moto.

     Um dos que, nos carrinhos de bate-bate no parque de diversões, achava mais graça em desviar na última hora, numa manobra radical, evitando a batida, do que de fato bater, aquele susto tão evidente, previsível. Que acha que o Brasil só vai ter jeito no dia que os rios voltarem a ser limpos e for possível ir de trem até Santos.

     Floreia histórias vividas ou inventadas, nunca soube direito andar de havaianas (costuma cravar os dedos nas tiras), toma ao menos 5 xícaras de café por dia – com queijo, salame ou banana –, fumou ao todo 17 cigarros na vida e caminha ao menos 8 km por dia, sem pressa nem ritmo, porque vê cada coisa no caminho que vou contar.

     Sou zarolho (não era, fiquei), tinha quase sete graus de miopia (não tenho mais, operei), virei um entusiasta das sestas, só participo de passeatas silenciosas. O oposto de tudo a quem costumam definir como líder. Desses pobres-diabos incapazes de resistir a uma fruta do conde ou massagem no pé. Um aficionado (quase estudioso) por paçocas. Um ser por quem os cachorros têm uma inexplicável simpatia. Que tem sempre ao menos um furinho no tênis, está sempre predisposto a viajar e, quando espirra, diz “saúde” para si mesmo.

     Um teimoso simpático, um bagunceiro com método, um tímido que já foi publicitário, um caipira cosmopolita, um acomodado que não para quieto (e que jamais vai se conformar com esse “para” sem acento), um avoado sempre atento, um santista que nunca deixou de ser um pouco vascaíno, um vagaroso produtivo, um calmo chegado numa aflição. Enfim: uma contradição ambulante – mas que gosta mesmo é de ficar sossegado num canto.

    Um que adoraria ser reconhecido pelo público e crítica – mas que morre de preguiça de arregaçar a manga e produzir algo que justificasse algum reconhecimento.

     Sou. Ou não sou, eis a questão, que, diga-se de passagem, ninguém levantou.

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