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Sua casa tem um tico-taco?

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spacess

– Amor, me passa o tico-taco?

Ela passeia os olhos sobre a mesa, certa do que procura, olha ali, acolá, até que o acha (ou acha que acha), estica os braços, pega o controle remoto da TV e me entrega. Esclareço o engano:

– Não, não… eu disse o tico-taco.

Ela se levanta, vai até o fogão e me traz o acendedor de fogão – vulgo Magiclick, para quem tem mais de 40 anos.

– Não, amor. O tico-taco das gotinhas.

Ela então solta um “ah”, como se estivesse óbvio o tempo todo, se desculpando por não ter entendido antes: eu me referia ao tubinho de adoçante, desses de plástico, de pingar gotinhas para adoçar o café. O mais clássico exemplo de um tico-taco.

Nenhuma casa funciona de verdade sem um tico-taco. Um, não, vários: o adoçante e o Magiclick já citados, o grampeador, o cortador de unhas, o carregador de celular, o isqueiro, o rádio-relógio, a vassoura mágica de limpar as migalhas na toalha da mesa, o controle da garagem, um clips, o blister do remédio, o controle do Playstation, a calculadora portátil, o plástico bolha, a caneta daquele modelo com um botãozinho que, quando a gente aperta, aparece a ponta de escrever, o fecho do colar, o abridor de latas, o abridor de garrafa, o adaptador de tomada, o timer de cozinha, o prendedor de roupa, aquele fone minúsculo de ouvido, o controle do ar-condicionado, a caixinha de guardar as lentes de contato…

– A caixa de fósforos – acrescenta minha mulher, a quem pedi sugestões para fazer a lista. Mas vê-se que ela se atrapalha um pouco na definição do que seja um tico-taco, visto que uma caixa de fósforos claramente não é.

Aliás, o que não é parece mais simples de definir: um dicionário não é um tico-taco. Um tapete, um viaduto, o box do chuveiro, um saxofone, nada disso é. Mas há nuances: um elevador pode não ser, mas o botão que a gente aperta para chamá-lo, é. Um carro não é, mas aquela alavanquinha que a gente aciona para dar seta para virar à direita ou à esquerda, é.

E, por favor, não vamos confundir tico-taco com treco. São coisas tão obviamente diferentes que nem vale explicar aqui.

Repare que “tico-taco” não flexiona o gênero. Mesmo que o objeto mencionado seja uma tesoura ou uma caneta automática, o artigo virá sempre no masculino: O tico-taco. Que as feministas me perdoem, mas, se já há alguma confusão quanto a definição do que seja um tico-taco, é natural que haja outras em relação a seu regramento.

Aí eu pergunto: e a crônica, pela sua desimportância disfarçada, sua definição um tanto maleável, pode ser considerada um tico-taco? O tico-taco da literatura? Algo que a gente usa para suavizar as más notícias do jornal, dos sites, do mundo? Uma prosa que vai pingando, meio lenga-lenga, cuja pouca utilidade é entreter o leitor?

Questão levantada, vou pensar seriamente no assunto, bebendo meu cafezinho olhando pela janela. Desde, claro, que eu ache o bendito tico-taco, que até agora não descobri onde se meteu. Preciso acionar o tico e teco, que é outra coisa, uma dupla de neurônios, se não me engano.

 

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