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Muita atenção, pessoal

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spacess

     Trago uma constatação perturbadora: os anjos da guarda estão de férias. Ou em recesso. Ou desatentos demais. Algumas coisas têm acontecido que não seriam possíveis se eles estivessem de butuca. 

     Veja o tristíssimo caso desse menino que, num jogo de futebol com os amigos, marcou um gol e, para comemorar, se pendurou no travessão (como fazem todos os meninos desde que o mundo é mundo): com o peso, a trave desabou sobre ele e o coitado não resistiu. Uma tragédia absurda. Parece evidente que seu anjo protetor não estava ali, talvez entendesse que um bate-bola de brincadeira fosse coisa à toa, que dispensasse maiores cuidados, e tivesse ido tirar um cochilo. 

     Nem vamos dizer das balas perdidas, que têm especial predileção por encontrar no caminho crianças brincando nas vizinhanças. Ou das vítimas dessa estúpida e inacreditável guerra da Ucrânia, que nada podem fazer contra os tanques e mísseis teleguiados. Como devem agir nesses casos os anjos da guarda? Que poder eles têm para evitar tanta tristeza? 

     Já quando despencou a esquadria de alumínio da janela do último andar do meu prédio, com vidro e tudo, arrastando na queda as outras janelas e se espatifando com enorme estrondo no pátio lá embaixo, deve ser creditada à ação dos anjos o fato de ninguém estar passando por ali naquela hora. 

     Pode ser que muitos deles tenham sido deslocados com urgência para a Síria e a Turquia, onde há pouco um terremoto devastador fez dezenas de milhares de vítimas, feridos e órfãos. Seria uma explicação para, por exemplo, aquela menina ter sido resgatada quatro dias depois, conseguindo respirar esse tempo por um bolsão de ar formado debaixo dos escombros. 

     Afinal, qual será o critério para a pessoa ganhar a guarda de um anjo? Ser cristã, batizada, crismada? Ser de paz? Difícil de acreditar, pois parecem ser justamente as crianças levadas e os adultos irresponsáveis os mais contemplados. Ser justo e bom? Mas a gente vê tanta coisa ruim acontecer às boas pessoas, enquanto os cruéis se safam. Vai entender.

     Abra o olho. Não dê mole. Não escale as pedras da cachoeira, não desafie a correnteza, nada de confiar na mansidão do cachorro, não suba no telhado, desista de pegar estrada depois de beber, não se arrisque. Não confie que alguma entidade alada apareça do nada em seu socorro. Ela pode estar sobrecarregada com assuntos mais graves ou meio avoada – asas, ela já tem. 

     Ah, o cidadão não acredita em anjo da guarda? Acha tudo isso crendice, superstição, coisa de carola? Pena. Alguns acontecimentos nos abalam tanto, nos deixam tão derrubados, que alguma explicação sobrenatural faria bem. Além do quê, a ideia de um anjo particular, tomando conta da gente é tão reconfortante. Porém, confesso que minha fé também anda meio ausente. E convenhamos que essa é uma daquelas descrenças que não nos trazem vantagem alguma.

     Atenção dobrada, portanto. Mal não faz.

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