No primeiro dia de Bahia, o visitante se exaspera, desacostumado ao ritmo da terra. Espera que o garçom lhe atenda na mesma hora, que o gerente tome providências imediatas, que alguém se estresse para resolver suas questões. Mas daí, ele vai descobrindo que, no fim das contas, as coisas acabam resolvidas, no passo deles, do jeito local, que, se não parece o certo, também não parece o errado.
Se é difícil para quem exige pressa, mais ainda é para quem é metereologista. Na Bahia, a previsão pode ser essa, mas pode não ser; pode mudar ou ser exatamente como estava previsto. Pois, se a manhã prevê chuva, ela pode durar o dia todo numa lenga-lenguice danada; ou só alguns minutos, para então abrir um sol de rachar coco. Depende de algum negócio que ninguém me explicou o que é.
O ventilador da recepção da pousada tem pás de madeira, não de metal, e funciona de um jeito peculiar: não há fio que o conecte à eletricidade. Mas gira forte, movido pelo vento que entra pela janela. Ou seja, na Bahia o ventilador não ventila, é ventilado.
Ontem, em duas horas de restaurante, o cantor não tocou ao violão nenhuma de Caetano, Gil ou João Gilberto. Nem aqueles sambas-exaltações à Bahia do Ari Barroso. Mas cantou dois reggaes e cinco músicas em inglês anglo-soteropolitano. Ai, mas que saudade eu tenho da Bahia.
Um cochilo depois do almoço – um peixinho grelhado com pimenta pouca (deixo os excessos para os jovens) e um vinho branco honesto. Deito na rede e ouço as ondas quebrando no mar. Mas pode muito bem ser imaginação minha.
Numa noite, encontrei uma raposa no gramado da pousada. Não sabia que havia raposas na Bahia assim, muito menos tão perto da praia. Olhei para ela, ela olhou para mim, não correu, não gritou, só desfilou e saiu rebolando. Na Bahia, a raposa tem um jeito que nenhuma outra tem.
Um beija-flor passa zunindo por mim, naquela impressionante pressa desses bichinhos. Quer dizer que não é em todos os seres vivos que a malemolência daqui age? O mesmo acontece aos siris: a gente chega a cinco metros e eles correm para a toca. São os únicos baianos estressados que eu conheço.
Já minha mulher tem uma paciência comigo que vou contar. Basta uma caminhada à beira do mar para o cidadão desatar a cantar uma das canções praieiras de Caymmi. Na maior parte das vezes, “Quem vem pra beira do mar”. E sem a voz nem o violão do mestre baiano. É de enlouquecer qualquer um. Menos minha mulher – o amor é lindo.
A impressão que dá é que todo baiano ao volante é uma mistura de Senna com Cantinflas. Cruza as estradas e faz curvas sem dar seta, na maior sem-cerimônia. Parece sempre dar mais atenção ao passageiro ao lado com quem conversa do que à estrada. O fato de não haver dez acidentes por minuto é um mistério para os motoristas com um mínimo de prudência.
Saí dois dias todo de branco, não como símbolo do Candomblé ou por devoção a algum santo: eram as únicas roupas que não tinham ido para lavar.
Algumas noites a luz falta. Estamos há meia hora de qualquer contato com a humanidade. Bom que a pousada dispõe de gerador. Mas, nos poucos instantes de breu total, acontece um exagero de estrelas e mistério, e o milagre de estar na Bahia fica mais impressionante.
E para fechar, uma constatação importante: o famoso Quadrado de Trancoso é, na verdade, um retângulo. Sério: até eu, que sou meio distraído, constatei que a distância entre as duas fileiras de casas, separadas pelo gramado, é bem menor que aquela entre a entrada pela praça e a igrejinha branca. Se isso é um quadrado, eu sou o Jorge Amado. No entanto, é mais uma imprecisão que mal não faz.
É o que temos por hora. E a hora aqui passa devagar. A Bahia, vocês sabem.