Sério que vou precisar sentar a bunda e escrever? Arregaçar a manga e esperar que do gesto venha o assunto? Tenho mesmo que entregar a crônica hoje, é inegociável? Sessenta e três anos e você ainda não se livrou dos prazos?
Hoje o ímpeto resolveu decretar feriado. Uma decisão sem entusiasmo algum, como um vento que tenta decolar, mas aterrisa no quinto metro, uma nuvem que resiste, parada no céu, indecisa se despeja chuva ou não. Ou pior: como aquele sol fraquinho do inverno europeu, quase só nuvem, um borrão que não aquece, pouco ilumina e se entrega à noite cedo demais.
Não contem comigo, nem tentem me convencer. Não há providência possível. Não é protesto, insurreição, a luta de um homem “contra o sistema”, nada. É esse lençol pesado, o despertador fora da tomada, o acúmulo de louça, a derrota da urgência (que nem em campo queria entrar). O banho à espera, a barba de cinco dias, a providência adiada. Algo precisa ser feito – desde que não seja agora. Tenham dó: é apenas a segunda semana de janeiro e o termômetro me dá plena razão.
Não ir à praia, à passeata, ao futebol, ao cinema, não telefonar, mandar recado, simplesmente não ir. Mesmo responder à mensagem no celular é trabalho demasiado. Como se sete mosquitos da dengue se revezassem na minha pele. Ou a lentidão tomasse o controle sobre qualquer movimento.
Já sei: foi o baque da tragédia. Uma overdose de xarope. O sumiço dela. O shampoo que escorreu no olho. Lembrar algo que aconteceu há 42 anos. Não é grave, caso de terapia, depressão nem a derrota definitiva. Foi um troço lá que nasceu preguicinha, olhou em volta, se deu conta das possibilidades e ganhou intento.
Não é culpa minha, das musas, dos santos e muito menos sua, leitor.
Tampouco é algo contra o ofício da escrita: tenho igual desânimo de ir à geladeira ou trocar de camisa – meu torpor tem múltiplas serventias. Eu ainda precisava ir à farmácia, alguns remédios estão no fim, passar na padaria para comprar pão e leite, porém isso está mais distante da minha vontade do que ir à Ilha de Páscoa a nado. Quem sabe lá pelas seis da tarde, se não estiver muito calor ou um pouco frio.
Isso passa. Nada que duas horas na rede (sem dar impulso) não resolvam. Então, fico por aqui. Não faria sentido uma crônica mais longa.
Hoje vai ficar para amanhã.